Antes do lançamento do Plano Real (1994), o Brasil a partir dos anos 80, tentou vários planos de estabilização, que em sua quase maioria buscavam manter estável a taxa de câmbio real, no intuito de preservar nossa competitividade externa.
O sistema cambial realizava
pequenas desvalorizações ou minidesvalorizações no jargão econômico comum, com
a periodicidade sempre acompanhando o ritmo da inflação passada.
Num dos piores momentos de
nossa inflação, no final dos anos 80 (ultrapassou 80% ao mês no começo de 1990),
estes intervalos de minidesvalorizações chegaram a ser diários, inexoravelmente
mantendo nossa economia indexada a uma taxa de câmbio, no “limite” da própria
indexação.
Processos com elevada taxa
inflacionária, sempre nos farão buscar na história paralelos e tanto a
experiência alemã de indexação da moeda em 1923 (rentenmark), como a húngara em 1945-46, resultaram nas maiores
inflações do mundo moderno. Nesta última, “de julho de 1945 até agosto de 1946,
os preços aumentaram por um fator de 3 x 10²³” (Bomberger e Makinen, apud
Castro, Lavínia).
Basicamente os economistas ortodoxos
traçam como características comuns de toda hiperinflação, o aumento colossal da
oferta da moeda, seja pela necessidade de financiamento dos imensos déficits
orçamentários (daí hiperinflações após as Grandes Guerras – pelo financiamento
bélico), e para o núcleo heterodoxo, seria a fuga à moeda nacional, por conta
da perda de poder de compra, face o aumento dos preços.
Mas para ocorrer esta fuga (no
segundo caso) e tentativa de reposição (no primeiro), houve um determinado
ponto de inflexão – ou seguidos e ininterruptos pontos – de aumento dos preços,
por que ocorre(m)?
Um consenso, endossado por
Simonsen (apud Costa, Fernando Nogueira,) é que existiria um “coeficiente de realimentação”,
indicando um “grau de automatismo” crônico, ou seja, “parte da inflação de um
período se transmite ao período seguinte”.
Este diagnóstico de inflação
inercial, leva André Lara Resende e Pérsio Arida a delimitarem um plano de
ação, onde propuseram a implementação de uma nova moeda (Novo Cruzeiro),
indexada com paridade fixa, de um para um, com a ORTN diária pró-rata, sendo que neste período de
transição, a taxa de câmbio relativa a esta nova moeda, se manteria constante.
Não há qualquer experiência
de hiperinflação que tenha terminado gradualmente. Todas terminaram de forma
abrupta. É possível identificar a semana em que acabou a hiperinflação alemã de
1923 (...) de 20.000% ao mês e de repente, num dia, a taxa caiu a zero... (Lopes,
Francisco, p.149)
Não há referência a nenhum choque específico, simplesmente os agentes econômicos, em determinado lapso temporal, passam a substituir à moeda local “fraca” por moeda estrangeira “forte”, assim, por exemplo, o agente econômico que recebe – por exemplo – dólar, torna-se “independente da taxa de inflação”, sendo afetado somente por oscilações da taxa de câmbio real. Nos dias de hoje temos notícias da avidez de comerciantes argentinos por dólar e até mesmo por Real, em detrimento do peso local.
A taxa de inflação torna-se
cada vez menos representativa diretamente proporcional a não utilização da
moeda local como meio de pagamento, enfim a taxa de inflação efetiva torna-se a
taxa de valorização do câmbio real.
Não trata-se de uma mera troca
de nomes, no caso húngaro, a simples troca de moeda, fez o cenário econômico
saltar de uma alta inflação, para uma hiperinflação. Em janeiro/46 a taxa de
inflação era de 74% ao mês, após a introdução da nova moeda em fevereiro/46, a
taxa salta para 1,8 x 10³ em abril do mesmo ano, continuando a crescer literalmente
de forma exponencial, ou seja, a inflação da moeda “velha”, contaminou a
“nova”.
A estabilização húngara
somente ocorreu após um rígido controle de preços, culminando com a introdução
de “mais” uma nova moeda.
Assim, a Proposta Larida,
lidava com o componente inercial da inflação e da mesma forma que as
experiências européias, buscava a substituição de uma moeda corroída, por
outra, “forte”, com paridade cambial, a nova moeda era assim um “quase dólar” e
a inflação nesta nova moeda seria nula (por princípio).
A URV (unidade real de valor)
foi criada para cumprir o mesmo papel que o dólar desempenhou nas
hiperinflações alemã e húngara. Variava diariamente de acordo com uma taxa de
inflação esperada pró-rata, com o
qual se fazia o reajuste do câmbio.
Esta “dolarização programada”
não colhe plenamente os frutos desejados, se nos deixa em situação melhor em
comparação com outros países latinos de “dolarização descontrolada” e há um
imediatista sucesso do plano, a proposta atacava basicamente o componente
inercial da inflação, contudo sem eliminar os efeitos colaterais do próprio
choque (explosão da demanda) e uma necessária (re)distribuição de renda, afim
de (re)alimentar um ciclo virtuoso.
Como é muito difícil determinar
o “tempo de transição” até a efetivação da nova moeda como única, os efeitos
colaterais com relação a demanda não são mensurados e continuam tanto o
desequilíbrio fiscal, como a permanente alavancagem do déficit público, assim o
processo inflacionário recrudesce.
Passados dez anos, a Proposta
Larida volta à cena, servindo de “lastro teórico” na elaboração no Plano Real,
no que tange a tentativa de “decinercialização” da nossa inflação.
Para evitar que
ocorresse a fuga da “velha moeda” para a “nova” (...) no Plano Real (...) não
existiria uma “nova moeda”, mas apenas uma nova unidade de conta. A URV foi
então racionalizada como um processo de recuperação das funções de uma mesma
moeda (...) uma estratégia de desindexação (...) só seria bem-sucedida se
elevasse juros no imediato pós-Plano (...) o fim da inflação leva a uma
explosão natural do consumo (Barros, Lavínia p. 148-149)
A valorização cambial
foi a verdadeira âncora do programa de estabilização, apoiada ainda pela
abertura comercial e outras medidas, como controle monetário e do crédito e
alta dos juros (Cano Wilson, p.238)
Em suma, o Plano Real procurou
evitar o erro dos demais choques heterodoxos, adotando um conjunto de medidas,
aproximou-se da Proposta Larida de moeda indexada, onde os efeitos da inflação
ficariam na moeda “velha”, entretanto não fixou a paridade R$ = US$, deixando o
Real valorizar em relação ao dólar, dada a continua entrada de recursos. A
valorização do Real, não permitiu que ocorre-se pressão inflacionária sobre os bens
transacionados no mercado internacional (bens tradeables), voltando determinado grau de confiança e expectativas
positivas, indispensáveis para novo ciclo virtuoso.
Bibliografia:
· BOMBERGER,
William A; MAKINEN, Gail E. “A
Hiperinflação Húngara e a Estabilização de 1945-46”. In: José M. Rego
(org.). Inflação e Hiperinflação:
interpretações e retórica. São Paulo: Bienal,1988.
·
CANO, Wilson. Soberania e Política Econômica na América Latina (Cap. 3: Brasil – O
Sonho Acabou?). São Paulo: Editora UNESP, 2000.
·
CARDOSO, Eliana. A Economia Brasileira ao Alcance de Todos. São Paulo: Brasiliense,
1990.
·
CARVALHO, Fernando J. Cardim...et al.]. Economia Monetária e Financeira: teoria e
política (cap. 25: Regime Cambial e Mercado de Câmbio no Brasil). Rio de
janeiro: Elsevier, 2007.
·
CASTRO, Lavínia Barros. Cap. 5 “Esperança, Frustação e Aprendizado: A
História da Nova República” e
“Cap. 6 “Privatização, Abertura e
Desindexação: a primeira metade dos anos 90”. In: Fabio Giambiagi...et
al.]. Economia Brasileira Contemporânea, Rio de Janeiro: Elsevier,
2011.
·
COSTA, Fernando Nogueira. Economia Monetária e Financeira: uma abordagem pluralista (Cap. 8:
Teorias de Inflação Moderada, Inercial, Acelerada e Hiperinflação). São
Paulo: Makron Books, 1999.
·
LOPES, Francisco. O Choque Heterodoxo: combate à inflação e reforma monetária, Rio de
Janeiro: Campus, 1986.
· SIMONSEN,
Mário Henrique. Inflação: gradualismo x
tratamento de choque, Rio de janeiro: Anpec, 1970.
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