sábado, 7 de novembro de 2009

Adam Smith

Adam Smith escreveu para a sua época, uma doutrina para dirigir um império e principalmente analisar as causas e naturezas do crescimento econômico, vide o próprio título de sua obra seminal: “A Riqueza das Nações – Investigação sobre sua natureza e suas causas”, não (como se pensa comumente) sendo um mero apologista do burguês empreendedor, mas estando Smith preocupado em promover a riqueza da nação como um todo e não para uma classe específica. Uma determinada classe, esta sim, acostumada a apropriar-se do trabalho alheio (veremos mais adiante a mais-valia), é que através do tempo, se “apropriou” das idéias de Smith, um grande pensador, transformando este injustamente em ideólogo do capitalismo, via habitual e já conhecida manipulação de idéias e mídia. Como se vê, não é de hoje...
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A passagem de uma realidade précapitalista para uma substancialmente capitalista, deu-se historicamente com a transição do feudalismo, amparado por um de Estado-nação (inglês) onde leis, moedas e impostos foram criados para desenvolver a sociedade econômica, ao custo de uma classe trabalhadora que havia migrado para as cidades em busca de trabalho. Assim passa a haver determinada distribuição do produto do trabalho, cabendo partes (como sabemos extremamente desiguais) ao trabalhador (salário), ao proprietário (renda) e ao capitalista (lucro).
Em muitas cidades inglesas, houve a consolidação da indústria, ou seja, a preponderância do trabalho assalariado em confronto com o trabalho independente e a “menina dos olhos” de Adam Smith, o processo de concorrência, onde o preço corrente tenderia sempre ao “preço natural”, pois os capitalistas estariam sempre em busca da atividade de inversão que lhes garantisse os maiores lucros sobre o capital.
Importante considerar o conceito fisiocrático (Smith influenciou ou foi influenciado?) de “produto bruto”, do qual se pode partir para a elaboração de uma teoria das formas de renda e o conceito de “antecipação”, do qual se poderia partir para a construção de uma teoria do capital, ou seja, plenamente capitalista, propiciando a distribuição do produto entre as três classes citadas.
A sociedade observada e analisada por Smith, trata-se da qual o produto global, na medida em que consubstancia o resultado da atividade do trabalho produtivo, contem uma primeira parte (salário) que reintegra a manutenção e reprodução do próprio trabalho e outras duas partes que em conjunto correspondem ao “produto liquido” dos fisiocratas e definidas por Smith como “deduções do produto do trabalho”: a renda do proprietário e o lucro do capitalista. Uma das questões colocada por Smith é justamente esta, de que forma o produto se distribui entre as diferentes (e novas) classes da população.
A questão é introduzida da seguinte forma: “Todos os homens são ricos ou pobres segundo o grau em que possam desfrutar das coisas necessárias, convenientes e aprazíveis da vida. Contudo, uma vez estabelecida à divisão do trabalho, somente poderemos obter uma pequena parcela dessas coisas através do esforço pessoal. A maior parte é conseguida mediante o trabalho de outras pessoas...o valor de qualquer bem para a pessoa que o possui...é igual à quantidade de trabalho que pode adquirir ou de que pode lançar mão através de sua própria mediação. Assim sendo, o trabalho é a medida real do valor em troca de todas as classes de bens”.
Segundo Smith, o trabalho era o primeiro preço, o “dinheiro” da compra inicial que era pago por todas as coisas. Assim, afirmou que o pré-requisito para qualquer mercadoria ter valor era que ela fosse produto do trabalho humano.
A teoria do valor constitui a premissa básica da qual a mais-valia será deduzida (junto com a exploração) por Marx, assim, não sendo deste este “insight” e sim, um bom tempo antes, formulado por Adam Smith, colocando o “valor” de forma objetiva. Porém, outros o colocariam de forma subjetiva, onde este (valor) nada teria com a quantidade de trabalho empregada na produção de algo, mas sim na sua utilidade para determinada satisfação (conceito de utilidade marginal).
Fica a indagação: Será o trabalho que determina o valor e o preço, ou o preço (projetado) determinando o custo (trabalho) de produção?
Segundo Napoleoni, a resposta dada por Smith divide-se em duas partes: Nas condições primitivas e hipotéticas, a quantidade de “trabalho comandado” (labour commanded) acha-se determinada pela quantidade de trabalho contido, porém muda-se a situação, quando o produto do trabalho não pertence somente ao trabalhador (estado primitivo), mas sim o valor compreende também o lucro (como conseqüência de determinado investimento capitalista – via acumulação de capital) e a renda fundiária (como conseqüência da apropriação privada da terra).
Ou seja, todos os bens de valor são produtos do trabalho humano, do ponto de vista econômico, contudo, os trabalhadores não recebem o produto integral do que “sozinhos” produziram, pois os capitalistas utilizando-se do controle da propriedade privada (e respectivos equipamentos indispensáveis à produção), tomam para si parte do produto dos trabalhadores, via contrato de trabalho.
Outro ponto a se aprofundar é o adiantamento pago a força produtiva, via “desconto” recebido pelo empresário capitalista, do capitalista puro (banco), que também faria diminuir a participação do trabalhador frente a sua produção, assim torna-se o entendimento do juro como fundamental em qualquer interpretação de lucro (ou simplesmente o mark-up) por parte do empresário e por extensão da parte que couber ao trabalhador, ou seja, o empresário paga ao dono do fator de produção trabalho, com bens presentes em troca de receber os mesmo bens (dinheiro) no futuro (obviamente ponderando o fator risco – de não receber). Havendo um desconto dos bens presentes em termos de bens futuros (juro).
De forma esquemática, Smith classificou os gastos públicos em três categorias: defesa; administração da justiça; obras e instituições públicas. Deixando bastante claro, na seguinte parte de A riqueza das nações: “não obstante, ainda que vantajoso em altíssimo grau a toda a sociedade, são de tal natureza que a utilidade jamais poderia recompensar seu custo a um indivíduo ou a um certo número de indivíduos, razão pela qual não se deve esperar que os mesmos se aventurem a estabelecê-los ou mantê-los”.
Napoleoni apresenta um Smith longe do simplista defensor do interesse privado, colocando em várias situações, o peso do financiamento (do Estado) sendo sustentado por toda a coletividade ou então por aqueles que usufruam diretamente do serviço prestado, vide exemplo dos gastos com educação que deveriam ser financiados por todos, pois revertem em benefício da comunidade. Porém, lembremos que havia pouquíssima legislação de “bem-estar social” na época de Smith – com a classe trabalhadora sem nenhuma voz ativa.
Smith basicamente era contra a interferência do governo no mecanismo de mercado, sendo contra as restrições as importações e os subsídios às exportações e outras quaisquer interferências possíveis de viés econômico, sendo seu grande “inimigo” o monopólio sob qualquer forma: “As pessoas do mesmo ramo de negócios...quando se encontram...conspiração contra o povo ou...aumentar os preços”.
Grosso modo, Smith coloca que o livre desenvolvimento de forças individuais no terreno econômico dá lugar à constituição e ao desenvolvimento da sociedade como um todo, visando sistematicamente reduzir o número e o peso dos excluídos. Sim! Ele acreditava piamente nisso. Sabemos hoje, que o mercado deixado ao seu bel prazer, dá no que deu, porém, não julguemos as idéias de um homem, sem considerá-las dentro do seu próprio tempo.
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Referências:

BOHM-BAWERK, Eugen Von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo.
HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
NAPOLEONI, Cláudio. Smith, Ricardo, Marx. Rio de Janeiro: Edições Grall, 1985.
SMITH, Adam. Na inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. New York: Random House, 1937

domingo, 1 de novembro de 2009

O Milagre - Última parte de Quase 45 (anos de industrialização)

O final do governo JK foi notoriamente marcado por desequilíbrio no balanço de pagamentos e por fortes pressões inflacionárias, assim com o golpe militar de 64, o governo Castelo Branco lança o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), um plano gradualista e que não seguia os moldes rígidos do FMI, evitando assim, aumentar a recessão(como convém ao grande capital), contrariando este e adotando a indexação financeira da economia. Porém, fez forte controle de preços, cortes nos gastos públicos e forte arrocho salarial (estas medidas sim, poderiam ser esperadas por parte de Roberto Campos, então ministro, pois o diagnostico sobre inflação era falaciosamente excesso de demanda).
Não há somente erros, pois os militares procederam à profunda modernização da administração pública, processando uma reorganização do sistema financeiro, com o objetivo de fomentar (em longo prazo) a formação de poupança privada.
Nesta fase, criaram-se o BACEN (a SUMOC foi extinta), o CMN, o FGTS, alteração do sistema tributário (criados ICM, IPI, ISS) e o pós-quebrado BNH, destinado a estimular o setor de construção civil.
O panorama do capitalismo brasileiro de então, em curto prazo, não melhorou, muito pelo contrário, acentuou-se a depressão, porém de forma deliberada, ao serem freados os mecanismos habituais de financiamento, relacionados com a política cambial, de crédito, de salários e do déficit público.
Maria da Conceição Tavares, no entanto, acredita que as medidas adotadas podem ser consideradas “funcionais”, pois o conjunto das reformas (a priori tributária e do mercado de capitais) preparou as bases para uma recuperação forçada e acelerada da economia, que só viria no período seguinte, assim o período de 62-67 é de “saneamento” e de “semeadura” do terreno, para uma retomada da acumulação de capital.
A recuperação da economia começou em meados de 67, sob a influência da política fiscal e monetária mais folgada do segundo governo militar (Costa e Silva), se “folgada” economicamente, profundamente “linha dura” politicamente e repressiva, lembremos que estávamos no tempo de “Pra frente Brasil” e “...ame-o ou deixe-o”.
No primeiro momento (67-70) o PIB cresce à média anual de 10%, liderando a expansão o setor de bens de consumo duráveis – notadamente o automobilístico, estimulado também pelo aumento da concentração de renda e o boom da construção, civil, idem. Dada a grande capacidade ociosa anterior, a industria de bens de capital ficou restringida a reposição e modernização.
No período de 70-74, esgotada a capacidade ociosa, implementa-se uma política de desenvolvimento industrial, porém não dando atenção a questões importantes e urgentes, como a da distribuição de renda (cada vez mais concentrada) e a dos baixos padrões de consumo básico da população menos favorecida.
Estabelecendo um paralelo com o ciclo expansivo anterior, o Plano de Metas de JK, temos:
No PM houve um pacote de investimentos, alterando a estrutura industrial, a citada “onda” quase schumpeteriana, em favor do setor de bens de produção e de bens duráveis, enquanto o Milagre foi calcado com base na estrutura já existente, exceção da industria petroquímica e de alguns bens do setor elétrico.
No período JK o setor dominante foi o de bens de produção, enquanto que o setor de bens de consumo duráveis teve papel subordinado (apesar de também importante), sendo o Milagre o inverso, o eixo de acumulação se dá sobre os bens de consumo duráveis.
Em relação à distribuição de renda, na fase 56-62, o crescimento rápido foi compatível com o aumento da taxa dos salários reais de base, ao inverso, no período do Milagre (68-73), justamente pela dominância dos bens de consumo duráveis, impôs uma diferenciação dos salários.
Com relação ao capital internacional, no Plano de Metas, a entrada foi prioritariamente via investimentos diretos, enquanto na fase do Milagre, houve entrada maciça de empréstimos em moeda.
Em ambos os períodos, o gasto público funciona como acelerador da economia, porém, no primeiro concentrado na formação de infraestrutura e o segundo destinado ao setor automobilístico, rodovias, etc.
Temos que ressaltar as contradições deste período de 68-73, quando houve um desequilíbrio caracterizado pelo atraso do crescimento de bens de produção (máquinas, equipamentos e bens intermediários) com relação ao setor de bens de consumo duráveis, não duráveis e da construção civil.
Nos fins de 70, após a ressaca do tri, o governo se deu conta deste desequilíbrio e tentou eliminá-lo, mediante incentivos aos investimentos privados e públicos diretos em bens de capital e insumos básicos, porém, isso feito a partir da premissa de continuidade do crescimento acelerado do setor de bens de consumo duráveis, idem construção civil.
Mas era condição necessária para que não fosse perdido o fôlego, tanto a existência de capacidade ociosa, como a expansão das margens de endividamento das famílias, todavia, a recuperação da indústria de bens de produção acontece depois do crescimento do setor de duráveis, gerando uma diferença dos ritmos de acumulação.
Por fim, como a base da pirâmide salarial torna-se cada vez maior, o crescimento da indústria de duráveis é curto, pois esta base não tem acesso aos bens produzidos por ela, ou seja, a indústria de duráveis não consegue crescer fechada nela mesma.
O sonho havia acabado, ainda assim, o governo militar tentaria recuperar as taxas de crescimento, de forma infrutífera e muitas vezes por pura demagogia, talvez apenas objetivando a manutenção do poder. Estamos em 1974 e Pelé se recusa a jogar mais uma Copa...

Esta mini série em 3 capítulos, só foi possível graças aos trabalhos dos mestres: Wilson Cano (Soberania e Política Econômica na América Latina), João Cardoso de Mello (Capitalismo Tardio), Carlos Lessa (15 anos de Política Econômica), José Serra (Ciclos e Mudanças Estruturais na Economia Brasileira do Pós-Guerra) e Maria da Conceição Tavares (Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro).