terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Por que sou ATEU ?

Cartaz do filme
A Última Tentação de Cristo
(Scorsese, 1988)

"O verdadeiro devoto tem de superar o difícil caminho entre o precipício da ausência de Deus e o pântano da superstição."(Plutarco - 66-120)

"Perguntaram um dia a alguém se havia ateus verdadeiros. Você acredita, respondeu ele, que haja cristãos verdadeiros?"(Denis Diderot - 1713-1784)

"Acerca dos deuses não tenho como saber nem se eles existem nem se eles não existem, nem qual sua aparência. Muitas coisas impedem meu conhecimento. Entre elas, o fato de que eles nunca aparecem."(Pitágoras - 485-411. In: 'Cadernos')

"Acreditar é mais fácil do que pensar. Daí existem muito mais crentes do que pensadores."(Bruce Calvert)

"O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião."(Thomas Hobbes. In: 'Leviatã' - 1651)

"Os nomes e o ministério dos anjos são visivelmente tirados dos magos. A palavra Satã vem do persa. A criação do mundo em seis dias está a tal ponto relacionada com a criação, que os antigos magos dizem ter sido feitas em seis gahambars (tempos), que de fato parece terem os hebreus extraído grande parte de seus dogmas desses mesmos magos, como com eles aprenderam a escrita, quando foram escravos na Pérsia."(Voltaire - 1694-1778. In: 'Deus e os Homens')

"Não acredite em qualquer coisa simplesmente porque você escutou. Não acredite em qualquer coisa simplesmente porque foi dito e fofocado por muitos. Não acredite em qualquer coisa simplesmente porque foi encontrado escrito em seus livros religiosos. Não acredite em qualquer coisa meramente na autoridade de seus professores e anciãos. Não acredite em tradições porque elas foram passadas abaixo por gerações. Mas após observação e análise, quando você descobre que qualquer coisa concorda com a razão e é condutivo ao bem e benefício de um e todos, então aceite e viva para isso."(Siddartha Gautama, o Buda - 563-480)

"Foi o homem quem criou Deus, o homem colocado em condições de existência determinadas. A religião é uma certa maneira pela qual o mundo se reflete na consciência do homem. E se, enquanto reflexo, é um reflexo absurdo, isso se dá porque o mundo que é refletido é, ele mesmo, absurdo."(Georges Politzer - 1903-1942. In: 'A Filosofia e os mitos')

"O Pentateuco é o único documento antigo em que se vê uma lei expressa mandando imolar homens, mandamentos expressos de matar em nome do Senhor."(Voltaire - 1694-1778. In: 'Deus e os Homens')

"Quando os missionários chegaram pela primeira vez na nossa terra, eles tinham as Bíblias e nós tínhamos a terra. Cinqüenta anos depois, nós tínhamos as Bíblias e eles tinham a terra." (Jomo Kenyatta, 1º Presidente do Quênia após a independência)

"O cosmo fala por meio de padrões."(Heráclito de Éfeso - 540-480)

"Todas as grandes verdades começam como blasfêmias."(Bernard Shaw - 1856-1950)

"Se existisse um Deus bondoso e todo-poderoso, teria feito exclusivamente o bem."(Mark Twain)

"Quando pratico o bem, sinto-me bem; quando pratico o mal, sinto-me mal. Eis a minha religião."(Abraham Lincoln - 1809-1865)

"Em todos os tempos, os homens acreditaram que podiam aplacar os deuses por meio de oferendas, já que muitas vezes aplaca-se a cólera dos homens dando-lhes presentes e que sempre fizemos Deus à nossa imagem. Presentear Deus com o sangue de nossos inimigos - nada mais simples. Nós os odiamos, logo imaginamos que nosso Deus também os odeia. Assim, o papa Inocêncio III acreditou fazer piedosíssima ação ao oferecer o sangue dos albigenses a Jesus Cristo."(Voltaire - 1694-1778. In: 'Deus e os Homens')

"O universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso: é-lhe indiferente."(Carl Sagan - 1934-1996)

"Desde que o universo tenha um começo, podemos supor que ele teve um criador. Mas se o universo é completamente auto-contido, não tendo fronteiras ou bordas, ele não seria nem criado nem destruído… Ele simplesmente seria.Que lugar há, então, para um criador?"(Stephen W. Hawking, físico inglês)

Como escrevi em horas de vã interrogação metafísica, há uns bons quinze anos, Deus é o silêncio do universo e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio."(José Saramago. In: 'Deus e Ratzinger'. Texto publicado em 'O caderno')

"Deus, Satã, Paraíso e Inferno, todos desapareceram um dia nos meus quinze anos, quando abruptamente perdi minha fé […] e além disso, para provar meu ateísmo recém-descoberto, comprei um sanduíche de presunto, e então partilhei pela primeira vez a proibida carne do suíno. Nenhum raio caiu em mim. […] Desde esse dia até hoje eu me considero uma pessoa completamente secular."(Salman Rushdie, In: 'Em Deus Nós Confiamos')


"Como pensar que as idéias religiosas são essencialmente moralizadoras, quando se vê que a história dos povos cristãos é tecida de guerras, massacres e suplícios?"(Anatole France - 1844-1924. In: 'O anel de Ametista')

“Quando tinha 10 anos fiz a primeira comunhão. A professora de catecismo dizia que não pode morder a hóstia, porque um menino na França tinha mordido a hóstia e tinha saído sangue pela boca. Fiquei com aquilo na cabeça. Na primeira comunhão eu não tive coragem, mas, uma semana depois, um tio fez bodas de prata e teve uma missa. Aí fui lá receber a hóstia, voltei para o meu lugar e mastiguei. Não saiu nada e eu virei ateu naquele momento. A partir daí, sempre que ouvia as aulas de religião no colégio pensava que aquilo podia ser mentira. E quando você começa a fazer isso com religião é devastador, porque é uma questão de fé, religião não admite racionalidade.”
(Drauzio Varella)

“Se pelo menos deus me desse um sinal! Algo como fazer um depósito gigantesco em meu nome num banco suíço.”
(Woody Allen)

“As religiões são como pirilampos: só brilham na escuridão.”
(Sebástien Faure)

“Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro.”
(José Saramago)

“Eu ainda digo que se uma igreja tem um pára-raios no telhado é por falta de confiança.”
(Doug McLeod)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Para Onde Foram os Negros?

Anúncio da fuga do escravo Fortunato, no Rio de Janeiro, em 18/10/1854

A abolição da escravidão no Brasil, em 1888, não foi um evento estanque em si. Começa pelo menos 40 anos antes e quanto ao seu término, prender os negros e açoitá-los, podemos historicamente aceitar como não havendo mais à partir da Lei Áurea, mas a questão da escravidão, tanto social como econômica, deve ser analisada com mais cuidado, ante o que escreveu Rodbertus:

“...quase sempre a fome substitui a chibata, e o que antes era chamado ração dos escravos agora se chama salário.”

Em 1850, cessa o tráfico negreiro no país (oficialmente), quando contáva-mos com uma população de dois milhões de escravos, algo em torno de 25% do total de nossa população, que pelo fim e/ou redução das atividades econômicas no nordeste e em Minas Gerais, deslocava-se para o novo setor dinâmico da economia, as lavouras de café de São Paulo.
Naturalmente, obedecendo a leis econômicas de escassez, oferta e demanda, o preço do escravo sofre acréscimos sucessivos, desta forma, tornando-se irracional seu uso predatório, tão característico e usual, bastando atentar para a expectativa de vida do escravo brasileiro, que no último quarto de século XIX, variava em torno de 19 anos, não de “utilização”, mas de idade (SCHWARTZ).
Obviamente, sem o tráfico legalizado, a reposição contínua da escravaria, morta aos milhares a cada ano não se sustentaria.
O café já era então, o principal produto de exportação na década de 1840, como visto, antes da abolição e até mesmo antes da proibição do tráfico, porém, sendo o momento em que o Rio de Janeiro está deixando de ser o único e grande produtor (até mesmo por conta das características da planta), compartilhando e posteriormente perdendo o posto (com folgas) para São Paulo.
A produção continuava apoiada no trabalho escravo, em 1855 conforme pesquisa, havia 55.834 escravos para 62.226 trabalhadores nas plantações de café, porém com a Lei Eusébio de Queiróz (1850), ao invés de ingressarem da África 30.000 escravos em média por ano, passa há entrar um pouco menos que 10% deste número.
Assim surge o problema: Como encontrar a força de trabalho necessária à rápida expansão das plantações?
O Brasil desde 1850 já adotava um processo gradual de abolição. Após a proibição do tráfico, vem em 1871 a “Lei do ventre livre”, porém, pode-se imaginar a liberdade de que dispunha filhos de escravos nas fazendas dos proprietários de seus pais e em 1884, outra lei declara “homem livre” todo escravo com mais de 60 anos de idade. Conforme já visto na expectativa de vida do mesmo, além do registro de nascimento dos escravos serem deficientes e não confiáveis, quantos realmente seriam beneficiados com tal lei?
Antevendo a inexorável abolição em um futuro próximo, já em 1850 começam as primeiras imigrações, não só por conta da expansão cafeeira, mas, sobretudo porque grande parte da maioria da mão de obra escrava da época, provavelmente estaria morta na data marco da libertação destes, que ocorreria 38 anos depois.
Mas por que esta opção paulista pela imigração como solução para o problema da mão de obra? O trecho da obra de Joaquim Nabuco (O Abolicionismo) ilustra:

“A população do nosso interior foi por mais de três séculos acostumada a considerar o trabalho do campo como próprio de escravos. Saída quase toda das senzalas, ela julga aumentar a distância que a separa daqueles, não fazendo livremente o que eles fazem forçados”

E mais, se antes os capitalistas de então, detinham o fator de produção trabalho, via posse dos escravos, com a “Lei das Terras” de 1850 (vejamos a incrível coincidência, de ser no mesmo ano que cessa o tráfico), proibia o acesso as mesmas aos que não pudessem comprar, assim impedindo o ex-escravo ou o recém chegado imigrante, o acesso legal a uma gleba, ou seja, para o “fim do cativeiro de seres humanos, era tornar cativa a terra” (MARTINS).
Havia enorme e preconceituosa resistência ao trabalhador livre nacional, visto como preguiçoso, não confiável e o pior: privado de mentalidade burguesa, já que ao se satisfazer com muito pouco, tampouco seria também mercado, afinal passaria a receber salários.
A elite paulista acreditava piamente, que o homem de cor negra, só se submeteria pela força e pelo chicote, assim, como exerceriam controle e manteriam a disciplina usando somente incentivos pecuniários?
Seria necessário um enorme aparato policial ou então milícias particulares, para obrigar os “vadios e vagabundos” a vender sua força de trabalho, contra ameaça de prisão e castigos, mas era um momento em que todo e qualquer capital estava comprometido diretamente com a lavoura cafeeira.
Após 1870, o governo de São Paulo tomou a seu cargo a responsabilidade da imigração e entre 1887 e 1897 chegou ao Brasil cerca de 1.300.000 imigrantes. Em 1888, quando a escravidão é totalmente abolida, a imigração já era massiva, com grande parte de italianos (65%), que viviam dias difíceis após a Unificação Nacional na Itália.
Como colocou Florestan Fernandes:

“Por paradoxal que pareça, motivações econômicas puramente capitalistas originam, assim, de modo recorrente, fortes obstáculos à expansão do capitalismo...”

Desta forma, a abolição gradual, vistas a que o capital imobilizado em escravos não desaparecesse de súbito, não foi suficientemente concomitante com a introdução progressiva do trabalho assalariado, vide o lapso temporal entre o início da primeira e a torrente imigratória. Dentre os dados relativos ao período em questão, temos que em 1850 o Brasil exportou 8,1 (em milhões de libras) e somente em 1890 este valor sobe para 30,0.
Em 1888 havia ainda cerca de 700 mil escravos no Brasil, “culpados” pelo atraso na passagem ao trabalho assalariado, talvez por conta disto, nossas elites estejam até hoje “cobrando a conta”.

Referências:

BOHM-BAWERK, Eugen Von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo (cópia) .
CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista. Acesso:
http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=132
FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global Editora, 2008.
MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da terra. São Paulo: C. Humanas, 1979.
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
SCHWARTZ, Stuart. A América Latina na época colonial (cópia).
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976.