terça-feira, 24 de maio de 2011

A quem interessa o aumento do juro?

Chega de hipocrisia! Quando volta e meia, surge na mídia (sinhá-mídia, como gosta o Pirata - cadê você?) um novo trailer sobre o filme: Inflação, o retorno – uma penca de economistas (às vezes nem o são) de plantão televisivo (adiciona-se aí a Sra. Leitão) e políticos hidrofóbicos ululam favoráveis ao aumento da taxa de juros, como única e salvadora forma de conter a sanha consumista. Será (a única) verdade?

Quem me lê, já desconfia que não.

Primeiro, vamos entender como funciona o mecanismo do aumento e redução dos juros.

O juro não aumenta ao bel prazer do governo. O juro é determinado pelo mercado, visto que podemos traduzi-lo como o “preço do dinheiro”, ou seja, só existe juro se existir empréstimo, assim, o juro é o “aluguel” do dinheiro, dado pelo poupador ao tomador, intermediado pelos bancos. O problema (ou solução, dependendo do ponto de vista), é que o poupador recebe 1%, o tomador paga 10% e o banco fica com a diferença de 9%, a qual chama singelamente de spread.

Seja no Brasil ou qualquer lugar do mundo, a taxa de juros média, dependerá se existem mais poupadores ou tomadores no mercado.

Vamos ao nosso caso: No Brasil, existem mais tomadores, sendo o Governo um grande cliente, assim, quando ouvimos na televisão sobre SELIC, a mesma não é determinada pelo Governo, o mesmo apenas aponta o quanto (de juro) está sendo praticado no mercado interbancário. E o que é este mercado interbancário? Diariamente, os bancos são obrigados (pelo BACEN) a fechar suas posições zeradas (para frear a alavancagem), assim, uns emprestam aos outros todo santo dia. Tudo bem, a coisa é mais complexa, mas isso aqui é um post e não uma aula de economia...

Segundo, quem ganha e quem perde com o juro alto? Se a taxa de juros é um mau negócio para a maioria que vive da produção (empresários e trabalhadores), por outro lado, ela é um excelente negócio para aqueles que vivem da especulação. O aumento da taxa de juros se traduz em transferir riquezas dos que produzem para os que atuam nos mercados financeiros.

Esta defesa do aumento da taxa de juros, se a mesma acaba não se realizando (nos percentuais que a especulação sonha), acaba ao menos, dando para realizar alguns trocados, seja numa arbitragem de câmbio ou movimento de bolsa de valores, após uma notícia especulativa ou diria até mesmo terrorista.

Qual seria o estágio final de uma expansão (a qual o aumento do juro tentaria frear)? Uma retração! Nada é mais certo, que ao fim de um período de expansão, haverá uma contração na economia, sempre foi assim, não?

Quase concluindo com as palavras de Keynes em TGEJM (p.250): “(...) a elevação da taxa de juros como antídoto para a situação (...) pertence à categoria dos remédios que curam a doença matando o paciente.”

Desta forma, se o perigo é o pico, ou o boom, deve-se tentar manter a economia (a produção, o consumo e tudo que orbita na mesma) numa situação de “quasi-boom” (p.249). Sei que seu carro pode chegar a 200km/h, mas se basta 120km/h para concluir a viagem, por que fundir o motor? Ou como diriam alguns banqueiros na crise mexicana de 95: “Não é a velocidade que mata, mas sim a freada brusca.”

Mas como não aumentar o juro, se como dito, ele obedece à lei da oferta e procura (uma lei tão poderosa quanto à gravidade) e o Governo talvez seja o maior responsável pelo lado da procura? Quase que austriacamente (ave Hayek e Von Mises!) seria óbvio recomendar contenção nos gastos deste e equilibrar suas receitas com suas despesas. Mas aí, quem seria o indutor do multiplicador de trabalho (ave Keynes!), responsável por nosso irrefutável crescimento e inexorável competência em enfrentar a última das crises financeiras mundiais?

Não existe resposta simples. Por fim, o post era apenas para expor a quem (muito) interessa o aumento dos juros...

domingo, 15 de maio de 2011

Terras Raras, O Estado Indutor e uma a aula de economia do Prof. Delfim



Abaixo. Dois “pedaços” de posts recentes: o primeiro explicando o que são as “Terras Raras”, o segundo, uma aula do Prof. Delfim, sobre o porquê e “quando” do estado-indutor em lugar de uma economia de mercado “pura”. Leia os dois e entenda um pouco da boa economia, sem modelos e verdadeiramente aplicada a nossa prática cotidiana. Ah! Quando Delfim escreve “inovação”, fica impossível não pensar em Schumpeter...

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“Se os árabes têm petróleo, a China tem terras raras”. Lendas urbanas creditam essa frase a Deng XiaoPing, líder político chinês entre 1978 e 1992. Fato é que hoje a China domina o mercado mundial dessas “terras raras”, como é chamado o conjunto de 17 elementos químicos, utilizados para aplicação em alta tecnologia, como a dos ímãs que transformam energia elétrica em energia mecânica e em produtos high tech como notebooks, telefones celulares, trens-bala, iPods, fibras óticas e painéis solares.

O mercado dos 17 elementos químicos individualizados é da ordem de 5 bilhões de dólares anuais e, mais que isso, é estratégico. O significado da palavra estratégico ficou muito claro em 2010, quando a China anunciou que imporia cotas de exportação destas terras raras, jogando os preços para o céu (...)” (Fernando Landgraf em 26/04/2011)

“(...) Não importa qual o modelo que organiza nossas economias, o desenvolvimento é basicamente alimentado pelas inovações, e todos devem poder apropriar-se dos benefícios resultantes do seu trabalho. As regras dentro das quais o jogo se realiza são definidas pela Constituição do Estado onde ele ocorre. Elas devem propiciar um ambiente institucionalmente amigável para atender às condições anteriores.

O problema é que, como inúmeros exemplos históricos comprovam, as decisões tomadas pelo setor privado apenas olhando as condições presentes tendem, frequentemente, quando não estimuladas por um Estado-Indutor adequado, a ignorar os benefícios futuros de atividades que não parecem eficientes no curto prazo. Os mercados e seus agentes costumam ser míopes e oportunistas, por conta da própria opacidade do futuro. É claro que as inovações não podem ser antecipadas nem por eles nem pelo Estado-Indutor. Essa incerteza explica por que é difícil para o mercado coordenar com eficácia as decisões de longo prazo.

Um dos exemplos mais marcantes dessa falha, quando o mercado é deixado a si mesmo para escolher o futuro, talvez seja o que aconteceu na questão das terras raras. Há 30 anos, os EUA eram os maiores produtores do mundo, mas não havia mercado para acolher a produção e, logo, estímulos a novos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Os chineses, usando mão de obra barata, métodos primitivos e incentivos apropriados, aproveitaram a oportunidade.

Aumentaram a sua oferta a preços que eliminaram a produção americana. O mercado revelou sua miopia e oportunismo: transferiu toda a sua demanda para a China! Os chineses aperfeiçoaram a tecnologia da sua produção, organizaram-na e mantiveram seus incentivos. Hoje, representam 97% da oferta mundial. Controlam a sua exportação, reservando-as para uso doméstico, o que lhes dá vantagem competitiva nas tecnologias de última geração (...)” (Delfim Netto, Carta Capital de 21/03/2011)

domingo, 1 de maio de 2011

Abolição

Já havia postado parte deste texto, ano passado, mas com a continuidade do estudo sobre o tema (na verdade, um mosaico sobre o período cafeeiro), enxertei no mesmo, colocações descaradamente marxistas. Irrefutavelmente, quando tentamos analisar desigualdades sociais, não podemos deixar de utilizar a ótica marxista, pois a teoria social de Marx é de grande força, apesar de em outras situações e análises serem extremamente (no mínimo) discutível, como o “valor-trabalho”, por exemplo, base de sua argumentação em relação à “mais-valia”.

A abolição da escravidão no Brasil, em 1888, não foi um evento estanque em si. Começa pelo menos 40 anos antes e quanto ao seu término, prender os negros e açoitá-los, podemos historicamente aceitar como não havendo mais à partir da Lei Áurea, mas a questão da escravidão, tanto social como econômica, deve ser analisada com mais cuidado, ante o que escreveu Rodbertus:

“...quase sempre a fome substitui a chibata, e o que antes era chamado ração dos escravos agora se chama salário.”

Em 1850, cessa o tráfico negreiro no país (oficialmente), quando contáva-mos com uma população de dois milhões de escravos, algo em torno de 25% do total de nossa população, que pelo fim e/ou redução das atividades econômicas no nordeste e em Minas Gerais, deslocava-se para o novo setor dinâmico da economia, as lavouras de café de São Paulo.
Naturalmente, obedecendo a leis econômicas de escassez, oferta e demanda, o preço do escravo sofre acréscimos sucessivos, desta forma, tornando-se irracional seu uso predatório, tão característico e usual, bastando atentar para a expectativa de vida do escravo brasileiro, que no último quarto de século XIX, variava em torno de 19 anos, não de “utilização”, mas de idade.
Obviamente, sem o tráfico legalizado, a reposição contínua da escravaria, morta aos milhares a cada ano não se sustentaria.
O café já era então, o principal produto de exportação na década de 1840, como visto, antes da abolição e até mesmo antes da proibição do tráfico, porém, sendo o momento em que o Rio de Janeiro está deixando de ser o único e grande produtor (até mesmo por conta das características da planta), compartilhando e posteriormente perdendo o posto (com folgas) para São Paulo.
A produção continuava apoiada no trabalho escravo, em 1855 conforme pesquisa, havia 55.834 escravos para 62.226 trabalhadores nas plantações de café, porém com a Lei Eusébio de Queiróz (1850), ao invés de ingressarem da África 30.000 escravos em média por ano, passa há entrar um pouco menos que 10% deste número.
Assim surge o problema: Como encontrar a força de trabalho necessária à rápida expansão das plantações?
O Brasil desde 1850 já adotava um processo gradual de abolição. Após a proibição do tráfico, vem em 1871 a “Lei do ventre livre”, porém, pode-se imaginar a liberdade de que dispunha filhos de escravos nas fazendas dos proprietários de seus pais e em 1884, outra lei declara “homem livre” todo escravo com mais de 60 anos de idade. Conforme já visto na expectativa de vida do mesmo, além do registro de nascimento dos escravos serem deficientes e não confiáveis, quantos realmente seriam beneficiados com tal lei?
Antevendo a inexorável abolição em um futuro próximo, já em 1850 começam as primeiras imigrações, não só por conta da expansão cafeeira, mas, sobretudo porque grande parte da maioria da mão de obra escrava da época, provavelmente estaria morta na data marco da libertação destes, que ocorreria 38 anos depois.
Mas por que esta opção paulista pela imigração como solução para o problema da mão de obra? O trecho da obra de Joaquim Nabuco (O Abolicionismo) ilustra:

“A população do nosso interior foi por mais de três séculos acostumada a considerar o trabalho do campo como próprio de escravos. Saída quase toda das senzalas, ela julga aumentar a distância que a separa daqueles, não fazendo livremente o que eles fazem forçados”

E mais, se antes os capitalistas de então, detinham o fator de produção trabalho, via posse dos escravos, com a “Lei das Terras” de 1850 (vejamos a incrível coincidência, de ser no mesmo ano que cessa o tráfico), proibia o acesso as mesmas aos que não pudessem comprar, assim impedindo o ex-escravo ou o recém chegado imigrante, o acesso legal a uma gleba, ou seja, para o “fim do cativeiro de seres humanos, era tornar cativa a terra” (MARTINS). Marx estudou que o capital necessitava para seu crescimento, separar o trabalho livre das condições objetivas de sua efetivação, ou seja, nesta situação, acima de tudo, separar o trabalhador da terra.
Havia enorme e preconceituosa resistência ao trabalhador livre nacional, visto como preguiçoso, não confiável e o pior: privado de mentalidade burguesa, já que ao se satisfazer com muito pouco, tampouco seria também mercado, afinal passaria a receber salários.
A elite paulista acreditava piamente, que o homem de cor negra, só se submeteria pela força e pelo chicote, assim, como exerceriam controle e manteriam a disciplina usando somente incentivos pecuniários?
Seria necessário um enorme aparato policial ou então milícias particulares, para obrigar os “vadios e vagabundos” a vender sua força de trabalho, contra ameaça de prisão e castigos, mas era um momento em que todo e qualquer capital estava comprometido diretamente com a lavoura cafeeira.

“Um dos pressupostos do trabalho assalariado e uma das condições históricas do capital é o trabalho livre e a troca do trabalho livre por dinheiro, com o objetivo de reproduzir o dinheiro e valorizá-lo...” (MARX)

Após 1870, o governo de São Paulo tomou a seu cargo a responsabilidade da imigração e entre 1887 e 1897 chegou ao Brasil cerca de 1.300.000 imigrantes. Em 1888, quando a escravidão é totalmente abolida, a imigração já era massiva, com grande parte de italianos (65%), que viviam dias difíceis após a Unificação Nacional na Itália. Como colocou Florestan Fernandes:

“Por paradoxal que pareça, motivações econômicas puramente capitalistas originam, assim, de modo recorrente, fortes obstáculos à expansão do capitalismo...”

Desta forma, a abolição gradual, vistas a que o capital imobilizado em escravos não desaparecesse de súbito, não foi suficientemente concomitante com a introdução progressiva do trabalho assalariado, vide o lapso temporal entre o início da primeira e a torrente imigratória. Dentre os dados relativos ao período em questão, temos que em 1850 o Brasil exportou 8,1 (em milhões de libras) e somente em 1890 este valor sobe para 30,0. Rosa Luxemburgo, analisou muito bem a necessidade da transformação de capital monetário em capital produtivo, seja por que caminho for. Para bancar a entrada dos imigrantes, recorreu-se a empréstimos internacionais, tanto como para fomentar as estradas de ferro, assim, o capital acumulado nos “países antigos” encontravam novo campo de ampliação, destarte, o fim da produção capitalista não é o desfrute, mas a realização da ampliação, uma acumulação ao qual Marx chamou de mais-valia. Em 1888 havia ainda cerca de 700 mil escravos no Brasil, “culpados” pelo atraso na passagem ao trabalho assalariado, talvez por conta disto, nossas elites estejam até hoje “cobrando a conta”.

E qual o preço desta fatura? O juro! O capital inglês entrava no Brasil bancando, seguiam-se exportações, para pagamento das mesmas, porém, com a entrada de recursos provenientes das exportações, não aliviava-se o serviço da dívida e sim ampliavam-se as importações. Tugan Baranowski apontou que em 1825, os países da América do Sul, compraram o dobro do que em 1821. De onde veio o dinheiro? Os recursos vieram da banca internacional de Londres, sejam bancos, ou operações de mercado futuro na Bolsa de Londres (no nosso caso, o café). No fim, os empréstimos acabavam pagando a importação das mercadorias, num ciclo que quando chega em sua parte mais baixa, chamamos de crise. E sabemos, que mais dia, menos dia, a corda arrebentará sempre no seu lado mais frágil.

Referências:

BOHM-BAWERK, Eugen Von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo (cópia) .

CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista. Acesso: http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=132

FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global Editora, 2008.

MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da terra. São Paulo: C. Humanas, 1979.

MARX,Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. São Paulo: Paz e Terra, 1986.

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.

SCHWARTZ, Stuart. A América Latina na época colonial (cópia).

SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976.