segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Milagre - Última parte de Quase 45 (anos de industrialização)


O final do governo JK foi notoriamente marcado por desequilíbrio no balanço de pagamentos e por fortes pressões inflacionárias, assim com o golpe militar de 64, o governo Castelo Branco lança o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), um plano gradualista e que não seguia os moldes rígidos do FMI, evitando assim, aumentar a recessão(como convém ao grande capital), contrariando este e adotando a indexação financeira da economia. Porém, fez forte controle de preços, cortes nos gastos públicos e forte arrocho salarial (estas medidas sim, poderiam ser esperadas por parte de Roberto Campos, então ministro, pois o diagnostico sobre inflação era falaciosamente excesso de demanda).
Não há somente erros, pois os militares procederam à profunda modernização da administração pública, processando uma reorganização do sistema financeiro, com o objetivo de fomentar (em longo prazo) a formação de poupança privada.
Nesta fase, criaram-se o BACEN (a SUMOC foi extinta), o CMN, o FGTS, alteração do sistema tributário (criados ICM, IPI, ISS) e o pós-quebrado BNH, destinado a estimular o setor de construção civil.
O panorama do capitalismo brasileiro de então, em curto prazo, não melhorou, muito pelo contrário, acentuou-se a depressão, porém de forma deliberada, ao serem freados os mecanismos habituais de financiamento, relacionados com a política cambial, de crédito, de salários e do déficit público.
Maria da Conceição Tavares, no entanto, acredita que as medidas adotadas podem ser consideradas “funcionais”, pois o conjunto das reformas (a priori tributária e do mercado de capitais) preparou as bases para uma recuperação forçada e acelerada da economia, que só viria no período seguinte, assim o período de 62-67 é de “saneamento” e de “semeadura” do terreno, para uma retomada da acumulação de capital.
A recuperação da economia começou em meados de 67, sob a influência da política fiscal e monetária mais folgada do segundo governo militar (Costa e Silva), se “folgada” economicamente, profundamente “linha dura” politicamente e repressiva, lembremos que estávamos no tempo de “Pra frente Brasil” e “...ame-o ou deixe-o”.
No primeiro momento (67-70) o PIB cresce à média anual de 10%, liderando a expansão o setor de bens de consumo duráveis – notadamente o automobilístico, estimulado também pelo aumento da concentração de renda e o boom da construção, civil, idem. Dada a grande capacidade ociosa anterior, a industria de bens de capital ficou restringida a reposição e modernização.
No período de 70-74, esgotada a capacidade ociosa, implementa-se uma política de desenvolvimento industrial, porém não dando atenção a questões importantes e urgentes, como a da distribuição de renda (cada vez mais concentrada) e a dos baixos padrões de consumo básico da população menos favorecida.
Estabelecendo um paralelo com o ciclo expansivo anterior, o Plano de Metas de JK, temos:
No PM houve um pacote de investimentos, alterando a estrutura industrial, a citada “onda” quase schumpeteriana, em favor do setor de bens de produção e de bens duráveis, enquanto o Milagre foi calcado com base na estrutura já existente, exceção da industria petroquímica e de alguns bens do setor elétrico.
No período JK o setor dominante foi o de bens de produção, enquanto que o setor de bens de consumo duráveis teve papel subordinado (apesar de também importante), sendo o Milagre o inverso, o eixo de acumulação se dá sobre os bens de consumo duráveis.
Em relação à distribuição de renda, na fase 56-62, o crescimento rápido foi compatível com o aumento da taxa dos salários reais de base, ao inverso, no período do Milagre (68-73), justamente pela dominância dos bens de consumo duráveis, impôs uma diferenciação dos salários.
Com relação ao capital internacional, no Plano de Metas, a entrada foi prioritariamente via investimentos diretos, enquanto na fase do Milagre, houve entrada maciça de empréstimos em moeda.
Em ambos os períodos, o gasto público funciona como acelerador da economia, porém, no primeiro concentrado na formação de infraestrutura e o segundo destinado ao setor automobilístico, rodovias, etc.
Temos que ressaltar as contradições deste período de 68-73, quando houve um desequilíbrio caracterizado pelo atraso do crescimento de bens de produção (máquinas, equipamentos e bens intermediários) com relação ao setor de bens de consumo duráveis, não duráveis e da construção civil.
Nos fins de 70, após a ressaca do tri, o governo se deu conta deste desequilíbrio e tentou eliminá-lo, mediante incentivos aos investimentos privados e públicos diretos em bens de capital e insumos básicos, porém, isso feito a partir da premissa de continuidade do crescimento acelerado do setor de bens de consumo duráveis, idem construção civil.
Mas era condição necessária para que não fosse perdido o fôlego, tanto a existência de capacidade ociosa, como a expansão das margens de endividamento das famílias, todavia, a recuperação da indústria de bens de produção acontece depois do crescimento do setor de duráveis, gerando uma diferença dos ritmos de acumulação.
Por fim, como a base da pirâmide salarial torna-se cada vez maior, o crescimento da indústria de duráveis é curto, pois esta base não tem acesso aos bens produzidos por ela, ou seja, a indústria de duráveis não consegue crescer fechada nela mesma.
O sonho havia acabado, ainda assim, o governo militar tentaria recuperar as taxas de crescimento, de forma infrutífera e muitas vezes por pura demagogia, talvez apenas objetivando a manutenção do poder. Estamos em 1974 e Pelé se recusa a jogar mais uma Copa...

Esta mini série em 3 capítulos, só foi possível graças aos trabalhos dos mestres: Wilson Cano (Soberania e Política Econômica na América Latina), João Cardoso de Mello (Capitalismo Tardio), Carlos Lessa (15 anos de Política Econômica), José Serra (Ciclos e Mudanças Estruturais na Economia Brasileira do Pós-Guerra) e Maria da Conceição Tavares (Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro).

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