quinta-feira, 1 de julho de 2010

O dia em que o dinheiro caiu do céu...

“Pessoas do tempo, querendo exagerar a riqueza, dizem que o dinheiro brotava do chão, mas não é verdade. Quando muito caía do céu...”
$$
$$$Assim o Bruxo do Cosme Velho, contemporâneo dos fatos, descreveu o que narrarei a seguir...
$$$É dito comumente que a história é contada pelos vencedores, fato logicamente por conta que nos desenlaces sangrentos, sobravam poucos vencidos vivos, assim, como seria conhecida hoje a história da barbárie alemã, nos campos de concentração nazista, caso o 3º Reich tivesse se saído vencedor? Teríamos a mesma versão do Holocausto?
$$$O episódio do Encilhamento, em si, é emblemático, mas muito do que foi escrito, sobretudo pelos contemporâneos, foi provavelmente pelos que perderam no “jogo” especulativo, pois quando a bolha estoura, temos um universo amplo de perdedores, para uns pouquíssimos ganhadores, que conseguiram vender na alta.
$$$O livro de Taunay (O Encilhamento – Scenas Contemporâneas), o mais conhecido relato da época, retrata isso em várias partes:
$$$“...dividamos o encilhamento em duas partes (...) uma, dos magarefes ou esfoladores, bastante limitada, embora se compusesse de duas ou três dezenas; a segunda dos esfolados, essa enorme, incalculável, legião quase, de muitas miríades de brasileiros...”
$$$Fora os exageros e retórica típica de romance, ficam os partidários da ortodoxia neoclássica (para os que não são iniciados no assunto, os neoclássicos são aqueles que se julgam filhos favoritos de Adam Smith, sendo os Keynesianos uma espécie de ovelha negra, porém legítimos filhos, e os Marxistas, filhos adotados que não “dando em nada”, acabaram no crime) por conta da emissão desenfreada (segundo estes) a julgarem desta forma: “nociva”.
$$$“Bastante nocivas foram as conseqüências (...) o aumento extraordinário da emissão acarretou uma elevação dos preços (...) A especulação se fez sentir (...) favoreceu o jogo da Bolsa, pertubou a agricultura, originou falências e , por fim, provocou a quebra dos bancos...” (VIEIRA, 1962, p.191)
$$$Contrariamente os desenvolvimentistas discordam, ao considerarem que o crescimento e a modernização seriam mais importantes que uma “relativa” estabilidade monetária.
$$$“...O Encilhamento foi mais que outro South Sea Bubble¹ (...) registrou um progresso significativo neste período (...) A reforma monetária por si mesma (permitindo o crescimento mais rápido do estoque de moeda (...) O País fora restringido por políticas monetárias excessivamente austeras que impediram a mudança institucional tão essencial ao processo de desenvolvimento econômico” (PELAEZ e SUZIGAN, 1981, p.144)
$$$Porém, foi numa conferência de Celso Furtado, justamente sobre Ruy Barbosa, proeminente figura da recém República, pronunciada em 01/09/1999, na ABL, transcrita por Ney Carvalho (2004), que observamos o que de fato importa no episódio em questão, não a estória (com “e”) de uma aloucada especulação, mas sim a história (com “h”) de uma expansão monetária e de crédito.
$$$“Porque Taunay (...) fez um livro mostrando a especulação (...) aquele pânico (...) O que houve na verdade, foi uma expansão de crédito (...) O Encilhamento (livro) é a visão de Taunay...”
$$$Antes da República, no limiar do Império, existia forte pressão por uma expansão creditícia, por conta da recém abolida escravidão (maio de 1888). Mesmo que se suponha um sistema de compensação entre trabalhadores e fazendeiros, através da conta da “venda”, a necessidade de numerário para simples meio transacional, se torna naturalmente superior que sob o regime escravista.
$$$“A política monetária do governo imperial nos anos oitenta (...) mantivera o sistema econômico em regime de permanente escassez de meios de pagamentos.” (FURTADO, p.170)
$$$A abolição, não só obrigou os fazendeiros a reestruturarem a mão de obra, mas também a reestruturação do “caixa”, pois se a hipotecas eram garantidas por suas propriedades, não eram os escravos, isso? Propriedades a serem transacionadas?
$$$Assim, além da escassez do meio circulante citada, como meio de troca, havia uma escassez de crédito, com o Governo tendo que fornecer parte dos recursos.
$$$As exportações de café, que correspondiam à cerca de 65% de nossas exportações da época, comportavam-se positivamente desde 1886 (iria perdurar por 10 anos este superavit primário), permitindo sucessivos saldos comerciais, a despeito do também contínuo aumento das importações.
$$$Também havia um fluxo de divisas para o país, não só por conta deste excedente, mas em grande parte relacionado a criação de empresas e/ou compra de empresas nacionais por parte de não residentes, principalmente concessões para a exploração de serviços de utilidade pública. Nícia Vilela em seu trabalho original sobre a industrialização nacional afirma: “Durante o período de 1899-1910, para 160 sociedades anônimas estrangeiras autorizadas a funcionar no país, constituíram-se apenas 41 companhias brasileiras.”
Assim, com a crescente difusão do trabalho assalariado e a entrada de moeda estrangeira, a inelásticidade do meio circulante tornava-se mais aguda.
$$$Ainda em 1888, aprova-se a Lei Bancária que permitiu o estabelecimento de bancos de emissão. Para termos uma idéia do quanto aumentou o meio circulante, basta comparar os dados de Suzigan e Villela (1971), quando o saldo de papel-moeda em 1888 era de 205.000 contos e no dois anos seguintes foram emitidos cerca de 335.000 contos. O trabalho dos mesmos, aponta que o acréscimo de papel-moeda foi muito além das necessidades. Assim temos os resultados esperados: inflação e desvalorização cambial. Esta desvalorização no câmbio, naturalmente irá influenciar muito nossas exportações, principalmente nosso principal produto: café.
$$$Em julho de 1889, continuando a gestão financeira do Visconde de Ouro Preto, a última do Império, permitiu-se à emissão sem teto definido, desde que não ultrapassasse o triplo metálico do banco.
$$$Além disso, importante observar como “funcionava” a abertura de empresas no Brasil de então, quando durante quase todo o regime monárquico, para uma empresa ser constituída (sociedade anônima), dependia de prévia autorização governamental e em janeiro de 1889, respondendo aos sopros progressistas pós-abolição, isentavam-se as empresas com fins agrícolas ou industriais desta obrigatoriedade.
Assim temos em conjunto, crédito farto e liberdade empresarial, que para piorar o quadro, encontrou-se reprimida por longo tempo.
$$$“Cumpre pois que desde já nos preparemos com previdências e perseverança para que nossas instituições financeiras e bancárias possam satisfazer às necessidades do novo Brazil, do Brazil livre e próspero, do Brazil de amanhã...” (Jornal do Comércio, edição de 12/01/1887, apud CARVALHO, p. 113)
$$$As expectativas de eras de progresso são o melhor tempero em épocas especulativas, além do que, já havia então grandes esperanças de um novo modelo político, republicano, o “Brazil de amanhã”. O Encilhamento já estava em gestação no final do Império.
$
[1] Boom financeiro na Bolsa de Londres em 1720, onde aplicadores nas ações da South Sea Co. foram (ou se deixaram?) iludidos pela expectativa de ganhos desta, em vistas do (possível) comércio com a América espanhola. Porém, este (comércio) dependia da anuência da metrópole ibérica, que não fora assegurada. Então formou-se uma bolha especulativa, que por fim estoura, tornando o episódio sinônimo de pura especulação, ou seja, sem fundamento econômico real.
$
Ajuda Luxuosa:
$
CARVALHO, Ney. O Encilhamento: anatomia de uma bolha brasileira, São Paulo: BOVESPA, 2004.
FURTADO Celso. Formação econômica do Brasil, São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1984.
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil, São Paulo: Alfa-Omega, 1975.
PELÁEZ, Carlos Manuel, SUZIGAN, Wilson. História Monetária do Brasil, Brasília: Editora Universitária de Brasília, 1981.
VILLELA, Annibal, SUZIGAN, Wilson, Política do governo e crescimento da economia brasileira 1889-1945, Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1975.
ASSIS, José Maria Machado de. Esaú e Jacó, Rio de Janeiro: Aguillar, 1962.
TAUNAY, Visconde de. O Encilhamento – Scenas Comtemporâneas. Rio de Janeiro
VIEIRA, Dorival Teixeira. Evolução do sistema monetário brasileiro. São Paulo: Boletim da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, nº 24, 1962.


2 comentários:

Jens disse...

Valeu a aula, professor. Legal aprender economia com quem entende e sabe transmitir o conhecimento. Deliciado, destaco a definicao dos marxistas - filhos adotados que não “dando em nada”, acabaram no crime. Na tua pena, economia combina com literatura.

(O teclado nao esta aceitando acentos. Sorry).

Abs.

Passageira disse...

Vc já sabe: sou completamente emburrecida para esta matéria. Mas tento - se não entender, ao menos ler. Coanfesso que prefiro o texto anterior. Sou mais afeita à falar da vida alheia, capice? rs...
Embora reconheça a quase aridez (onde não há romance, pra mim é árido) do assunto, reconheço tb a sua indiscutivel facilidade em dissertá-lo. Disso eu gosto imenso, tá?
Beijocas