segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Keynes, o Ciclo Econômico e o "Quase-Boom"



No capítulo 22[1] de sua obra “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”[2], Keynes chega ao ponto onde acredita capaz de explicar o “fenômeno do ciclo econômico”.
Durante a obra, ele nos dá o instrumental (que crê) necessário para qualquer elucidação, onde “os postulados da teoria clássica se aplicam a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe acha-se no limite das possíveis situações de equilíbrio” (KEYNES, 2009, p.23).

Por essa razão, a análise da propensão a consumir, a definição da eficiência marginal do capital e a teoria da taxa de juros são as três lacunas principais dos nossos atuais conhecimentos que temos necessidade de preencher (KEYNES, 2009, p.42).

Sugere (p. 243) que o “caráter essencial do ciclo econômico e, sobretudo, a regularidade de ocorrência e duração (...) se devem principalmente ao modo como flutua a eficiência marginal do capital”[3].

A eficiência marginal do capital é definida aqui em termos da expectativa da renda e do preço de oferta corrente do bem de capital. Ela depende da taxa de retorno que se espera obter do dinheiro investido num bem recentemente produzido (KEYNES, 2009, p. 115)[4].

Keynes em TGEJM, trabalha em função das expectativas da sociedade de consumo vis-à-vis daqueles que serão responsáveis pela produção, pois será esta expectativa quanto ao futuro que poderá influenciar um aumento da preferência pela liquidez[5]. Esta (preferência) “é o ‘preço’ mediante o qual o desejo de manter a riqueza e forma líquida se concilia com a quantidade de moeda disponível[6]” (KEYNES, 2009, p. 137).

A eficiência marginal do capital depende não apenas da abundância ou da escassez existente de bens de capital e do custo corrente da produção dos bens de capital, mas também das expectativas correntes relativas ao futuro rendimento dos bens de capital (KEYNES, 2009, p. 244).

Segundo Keynes, uma queda na eficiência marginal do capital será acompanhada por elevação da taxa de juros, causando assim redução nos investimentos.
A expectativa da sociedade passa a ser negativa porque tanto os rendimentos caem, como os “estoques de bens duráveis produzidos recentemente aumentam regularmente” (p.246) e estoques altos conjugados com baixo consumo são elementos típicos de uma depressão.
Keynes tinha matéria-prima “bruta” nas mãos. Escreveu TGEJM em 1936, ainda sob os efeitos da Grande Depressão e o crash da bolsa de 1929. Conclui que:

O verdadeiro remédio para o ciclo econômico não consiste em evitar o auge das expansões e em manter assim uma semidepressão permanente, mas em abolir as depressões e manter deste modo permanente em um quase-boom (KEYNES, 2009, p. 249).

Contemporâneo do New Deal, que “consistiu parcialmente num esforço enérgico para reduzir (...) estoques (...) por todos os meios” (p.255). Assinala (e é o foco deste trabalho) que o remédio para a crise “consistiria em tomar várias medidas capazes de aumentar a propensão a consumir” (p.251).
Esta propensão a consumir, quando concretizada, Keynes tratou por “demanda efetiva”. “O ponto de interseção da função da demanda agregada com o da oferta agregada” (p.38)
Este conceito foi proposto quase que simultaneamente por Keynes e por Kalecki[7].  Observamos a divergência de formação, onde o primeiro foi aluno de Alfred Marshall[8] e o segundo, apoiava-se  nas idéias de Marx, porém, ambos preocupados com o mesmo problema, embora sob ótica ideológica (naturalmente) tão distinta, acabaram chegando a formulações extremamente parecidas com relação ao principio da demanda efetiva. O principio da demanda efetiva diz que o nível de atividade é determinado pela demanda agregada; que se produz a quantidade dada, não pela capacidade de produção do sistema, mas pela demanda. E se não existe demanda, a produção não se faz e a capacidade produtiva tenderá a ociosidade.
Segundo Prebisch (1998, p.103), a análise de Keynes do ciclo não explica como se desenvolve a fase de expansão, somente explicando o seu final. Provavelmente resulta daí sua sugestão para evitar as oscilações, manter-se um estado de “quase-boom”. Uma sugestão um tanto “etérea”, mas empiricamente fácil de entender. Porém, até quando é possível manter esse “quase-boom”?
Em 2008 o Fed nos EUA reduziu as taxas de juro ao nível mais baixo da história, tentando manter o boom indefinidamente via política monetária e neste momento que escrevo (outubro/2012), o BACEN vem adotando semelhante política de redução, com a taxa Selic também em seu viés mais baixo, com o Governo em óbvia tentativa de incrementar o consumo via crédito.
Em 2008, nos EUA, sabemos o que aconteceu e agora, para onde iremos? Até quando manteremos nosso “quase-boom”?


[1] Páginas 243 a 256.
[2] Doravante abreviaremos para TGEJM.
[3] Maiores esclarecimentos: TGEJM, Livro IV, Cap. II, p.115 a 122.
[4] Grifos do autor.
[5] Maiores esclarecimentos: TGEJM, Livro IV, Cap. 13, p.136 a 142.
[6] Aspas em “preço” do autor.
[7] Alguns autores alegam que antes por Kalecki, porém por sua obra ter sido publicada inicialmente em polonês – seu idioma natal, teve pouca difusão nos meios acadêmicos.
[8] O trabalho de Marshall pode ser entendido como uma continuação do trabalho de John Stuart Mill, Adam Smith, e David Ricardo (por esta razão denominado neoclássico) ao reunir as teorias da oferta e da demanda, da utilidade marginal e dos custos de produção.

Referências:

GALBRAITH, John Kenneth. 1929: A grande crise. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010
KALECKI, Michal. Crescimento e ciclo das economias capitalistas, São Paulo: Hucitec, 1983.
KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, São Paulo: Editora Atlas, 2009.
PREBISCH, Raúl. Keynes, uma introdução, São Paulo: Brasiliense, 1998.

  

Um comentário:

Frederico Matias Bacic disse...

Muito bem explicado Renato! Um texto simples, bem escrito e muito didático. Parabéns pelo texto!

Frederico Bacic