A
 abolição da escravidão no Brasil, em 1888, não foi um evento estanque 
em si. Começa pelo menos 40 anos antes e quanto ao seu término, prender 
os negros e açoitá-los, podemos historicamente aceitar como não havendo 
mais à partir da Lei Áurea, mas a questão da escravidão, tanto social 
como econômica, deve ser analisada com mais cuidado, ante o que escreveu
 Rodbertus: 
  
“...quase sempre a fome substitui a chibata, e o que antes era chamado ração dos escravos agora se chama salário.”
  
Em
 1850, cessa o tráfico negreiro no país (oficialmente), quando 
contáva-mos com uma população de dois milhões de escravos, algo em torno
 de 25% do total de nossa população, que pelo fim e/ou redução das 
atividades econômicas no nordeste e em Minas Gerais, deslocava-se para o
 novo setor dinâmico da economia, as lavouras de café de São Paulo.
Naturalmente,
 obedecendo a leis econômicas de escassez, oferta e demanda, o preço do 
escravo sofre acréscimos sucessivos, desta forma, tornando-se irracional
 seu uso predatório, tão característico e usual, bastando atentar para a
 expectativa de vida do escravo brasileiro, que no último quarto de 
século XIX, variava em torno de 19 anos, não de “utilização”, mas de 
idade.
Obviamente, sem o tráfico legalizado, a reposição contínua da escravaria, morta aos milhares a cada ano não se sustentaria.
O
 café já era então, o principal produto de exportação na década de 1840,
 como visto, antes da abolição e até mesmo antes da proibição do 
tráfico, porém, sendo o momento em que o Rio de Janeiro está deixando de
 ser o único e grande produtor (até mesmo por conta das características 
da planta), compartilhando e posteriormente perdendo o posto (com 
folgas) para São Paulo.
A produção continuava apoiada no trabalho 
escravo, em 1855 conforme pesquisa, havia 55.834 escravos para 62.226 
trabalhadores nas plantações de café, porém com a Lei Eusébio de Queiróz
 (1850), ao invés de ingressarem da África 30.000 escravos em média por 
ano, passa há entrar um pouco menos que 10% deste número.
Assim surge o problema: Como encontrar a força de trabalho necessária à rápida expansão das plantações?
O
 Brasil desde 1850 já adotava um processo gradual de abolição. Após a 
proibição do tráfico, vem em 1871 a “Lei do ventre livre”, porém, 
pode-se imaginar a liberdade de que dispunha filhos de escravos nas 
fazendas dos proprietários de seus pais e em 1884, outra lei declara 
“homem livre” todo escravo com mais de 60 anos de idade. Conforme já 
visto na expectativa de vida do mesmo, além do registro de nascimento 
dos escravos serem deficientes e não confiáveis, quantos realmente 
seriam beneficiados com tal lei?
Antevendo a inexorável abolição em 
um futuro próximo, já em 1850 começam as primeiras imigrações, não só 
por conta da expansão cafeeira, mas, sobretudo porque grande parte da 
maioria da mão de obra escrava da época, provavelmente estaria morta na 
data marco da libertação destes, que ocorreria 38 anos depois.
Mas 
por que esta opção paulista pela imigração como solução para o problema 
da mão de obra? O trecho da obra de Joaquim Nabuco (O Abolicionismo) 
ilustra:
  
“A
 população do nosso interior foi por mais de três séculos acostumada a 
considerar o trabalho do campo como próprio de escravos. Saída quase 
toda das senzalas, ela julga aumentar a distância que a separa daqueles,
 não fazendo livremente o que eles fazem forçados”
  
E
 mais, se antes os capitalistas de então, detinham o fator de produção 
trabalho, via posse dos escravos, com a “Lei das Terras” de 1850 
(vejamos a incrível coincidência, de ser no mesmo ano que cessa o 
tráfico), proibia o acesso as mesmas aos que não pudessem comprar, assim
 impedindo o ex-escravo ou o recém chegado imigrante, o acesso legal a 
uma gleba, ou seja, para o “fim do cativeiro de seres humanos, era 
tornar cativa a terra” (MARTINS). Marx estudou que o capital necessitava
 para seu crescimento, separar o trabalho livre das condições objetivas 
de sua efetivação, ou seja, nesta situação, acima de tudo, separar o 
trabalhador da terra.
 
 Havia 
enorme e preconceituosa resistência ao trabalhador livre nacional, visto
 como preguiçoso, não confiável e o pior: privado de mentalidade 
burguesa, já que ao se satisfazer com muito pouco, tampouco seria também
 mercado, afinal passaria a receber salários.
 
A
 elite paulista acreditava piamente, que o homem de cor negra, só se 
submeteria pela força e pelo chicote, assim, como exerceriam controle e 
manteriam a disciplina usando somente incentivos pecuniários?
Seria
 necessário um enorme aparato policial ou então milícias particulares, 
para obrigar os “vadios e vagabundos” a vender sua força de trabalho, 
contra ameaça de prisão e castigos, mas era um momento em que todo e 
qualquer capital estava comprometido diretamente com a lavoura cafeeira.
 
  
“Um
 dos pressupostos do trabalho assalariado e uma das condições históricas
 do capital é o trabalho livre e a troca do trabalho livre por dinheiro,
 com o objetivo de reproduzir o dinheiro e valorizá-lo...” (MARX)
  
Após
 1870, o governo de São Paulo tomou a seu cargo a responsabilidade da 
imigração e entre 1887 e 1897 chegou ao Brasil cerca de 1.300.000 
imigrantes. Em 1888, quando a escravidão é totalmente abolida, a 
imigração já era massiva, com grande parte de italianos (65%), que 
viviam dias difíceis após a Unificação Nacional na Itália. Como colocou 
Florestan Fernandes:
  
“Por
 paradoxal que pareça, motivações econômicas puramente capitalistas 
originam, assim, de modo recorrente, fortes obstáculos à expansão do 
capitalismo...”
          
Desta
 forma, a abolição gradual, vistas a que o capital imobilizado em 
escravos não desaparecesse de súbito, não foi suficientemente 
concomitante com a introdução progressiva do trabalho assalariado, vide o
 lapso temporal entre o início da primeira e a torrente imigratória. 
Dentre os dados relativos ao período em questão, temos que em 1850 o 
Brasil exportou 8,1 (em milhões de libras) e somente em 1890 este valor 
sobe para 30,0. Rosa Luxemburgo, analisou muito bem a necessidade da 
transformação de capital monetário em capital produtivo, seja por que 
caminho for. Para bancar a entrada dos imigrantes, recorreu-se a 
empréstimos internacionais, tanto como para fomentar as estradas de 
ferro, assim, o capital acumulado nos “países antigos” encontravam novo 
campo de ampliação, destarte, o fim da produção capitalista não é o 
desfrute, mas a realização da ampliação, uma acumulação ao qual Marx 
chamou de mais-valia. Em 1888 havia ainda cerca de 700 mil escravos no 
Brasil, “culpados” pelo atraso na passagem ao trabalho assalariado, 
talvez por conta disto, nossas elites estejam até hoje “cobrando a 
conta”.
E
 qual o preço desta fatura? O juro! O capital inglês entrava no Brasil 
bancando, seguiam-se exportações, para pagamento das mesmas, porém, com a
 entrada de recursos provenientes das exportações, não aliviava-se o 
serviço da dívida e sim ampliavam-se as importações.                 
Tugan Baranowski apontou que em 1825, os países da América do Sul, 
compraram o dobro do que em 1821. De onde veio o dinheiro? Os recursos 
vieram da banca internacional de Londres, sejam bancos, ou operações de 
mercado futuro na Bolsa de Londres (no nosso caso, o café). No fim, os 
empréstimos acabavam pagando a importação das mercadorias, num ciclo que
 quando chega em sua parte mais baixa, chamamos de crise. E sabemos, que
 mais dia, menos dia, a corda arrebentará sempre no seu lado mais 
frágil.
Referências:
BOHM-BAWERK, Eugen Von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo (cópia) .
 FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global Editora, 2008.
 MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da terra. São Paulo: C. Humanas, 1979.
  
MARX,Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. São Paulo: Paz e Terra, 1986.
 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
  
LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
 SCHWARTZ, Stuart. A América Latina na época colonial (cópia).
  SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976.