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“Quando o barco começar a afundar, não reze, abandone-o”.

Do nosso passado recente, temos o exemplo das matérias do dia 22 de novembro de 1989, na ante-sala da eleição do Presidente da República, com os textos: "O prodígio das urnas" e "A arrancada de Lula". Analisemos o primeiro texto, que faz referências ao ex-presidente Collor, então candidato, mantendo uma apresentação totalmente positiva do mesmo, com pouquíssimas tintas negativas, quase invisíveis.
No primeiro parágrafo diz "ele se consagrou como o campeão das pesquisas eleitorais, em seguida segue a tônica, de quando faz uma ligeira crítica, vir logo em seguida, rebatendo a mesma, no intuito de apagá-la: "...não compareceu a nenhum dos debates com os concorrentes da televisão..."(negativo), "...ignorou os salões da elite política e econômica" (positivo), ratificando o marketing de "caçador de marajás". Em seguida, temos uma chuva de adjetivos e elogios: "dinâmico, audacioso e com uma brutal dose de confiança em si mesmo", logo depois, a revista dá ênfase ao caráter popular do candidato: " conseguiu arrastar para as praças mais de 1,5 milhão de pessoas, na maior parte eleitores pobres", novamente o seu marketing de comprometimento com os menos favorecidos, como ele mesmo dizia "os descamisados". A revista fecha o primeiro parágrafo apoteoticamente: " Fernando Collor de Mello pode ser algo ainda maior que Fernando Collor de Mello".
O tom continua o mesmo no segundo parágrafo: " Collor já é o político que recebeu o maior número de votos na História do país", "praticamente não foi mal em lugar nenhum", "prodígio" e "Collor é um fenômeno".
No terceiro, novamente um ligeiro desagravo: "lugar comum...compará-lo a Jânio Quadros...no tom estridente" (negativo), mas como antes, apressa-se a corrigir: "mas de fato não tem nada de semelhante" (positivo), finalizando: " candidatou-se praticamente sem apoio algum".
O que a revista estava fazendo, então?
No quarto parágrafo, a mesma estratégia, um ligeiro toque negativo: "Há apenas uma ano...estava...terceira divisão da política...", mas da mesma forma, rebate: "foi o protagonista de comícios apoteóticos...indiscutivelmente, tornou-se um político da primeiríssima divisão". Como era de se esperar, o final do texto deveria ser grandioso, então temos: " político nordestino...estado pobre...de onde saiu...Deodoro da Fonseca...com a Proclamação da República", fica bem nítida a comparação entre o marechal Deodoro, que havia proclamado a República e Collor, que prometia a proclamação de uma "Nova República".
O segundo texto: "A arrancada de Lula", como o próprio título explicita, contextualiza negativamente o então candidato Lula. Começa sempre denominando antes do nome, o ainda candidato Luis Inácio Lula da Silva com o substantivo "operário", desta forma, continuamente o (des)qualificando, pois se Lula é o operário, quem é o administrador, senão Collor? Logo em seguida cita maldosamente sua pouca preparação acadêmica: "conseguiu um diploma de madureza do curso colegial", digo maldosamente por causa da palavra "conseguiu" e fecha o primeiro parágrafo com: "o torneiro mecânico de São Bernardo...nenhuma pessoa de sua classe jamais sonhou" e continua: "provocaria uma reviravolta", já dando indícios para onde o texto caminharia, tentando induzir que a eleição de Lula, provocaria algum tipo de "clima de terror" ou insegurança pública.
No segundo parágrafo, temos quase uma repetição do infeliz apelido que Leonel Brizola havia dado, "sapo barbudo": "um operário barbudo" e nova crítica, atém hoje comum na mídia: "que fala português errado".
No terceiro, (re)lembrando os tempos do marcatismo norte-americano, ou da ditadura nacional, com os chavões do "comunista que come criancinhas", a revista cita a revolução soviética (lembremos que no texto de Collor, citou a própria Proclamação da República), como paradigma de tomada de poder por parte dos trabalhadores, fala em luta armada e escreve: "só pode entusiasmar quem ainda acredita na URSS como modelo para alguma coisa". Volta a nomear o candidato (sem citar seu nome, estratégia usada para "esconder" uma campanha) como: "o candidato operário" e compara a votação de Lula, como uma votação rasteira, sinônimo de fraca: "a geologia eleitoral de Lula...desenho semelhante...nível do mar...".
Fechando este penúltimo parágrafo, uma pequena folga, com um pequeno elogio: "em seu berço político, a região do ABC...lhe deu um momento de glória", mas só aparente, pois logo depois vem várias marteladas: "Em compensação, enfrentou a penúria de eleitores onde o PT conquistou a prefeitura em 1988". E outra: "o Estado de São Paulo, na verdade, Lula colheu um resultado decepcionante – foi folgadamente batido por Collor".Justamente o inverso do texto de Collor, onde após ligeiríssima crítica, havia entusiasmado afago.
Continua, saindo um pouco de São Paulo e indo para outra importante praça eleitoral: Minas Gerais, dizendo: "em Minas Gerais...também ficou muito atrás de Collor.".
Observe que o texto de Collor, não faz tantas referências as diferenças de votação entre Lula e Collor, deixando estas para o texto de Lula, colocando-o sob a ótica de perdedor antecipado. Estranhamente o texto não menciona o Rio de Janeiro, por que será? Basta lembrar que no Rio de Janeiro, assim como no Rio Grande do Sul, o vencedor foi Leonel Brizola, com quase 50% dos votos.
E fechando: "a respeito do PT...constatação...melancólica". Melancolia? Sentimento inerente a um perdedor, maliciosamente adjetivado pela Veja.
Parte da mídia passou a se valer de um ambiente promíscuo, como instrumento seletivo de poder, porém, chegando a um ponto de risco, para a própria imagem da mídia, por conta de ser tão desvelado, o conluio entre a mesma e o que de mais podre há na República.
Ainda guardo em algum lugar do armário, minha coleção de "Fradins", não me faltando a memória, completíssima. Já pensei em vende-la, mas vi que não tinha preço. Foi colecionada comprando exemplares em banca, sendo que os primeiros números, que eu não tinha, foram garimpados em saudosas livrarias (por exemplo: a livraria Muro, da praça General Osório em Ipanema), que vendiam quadrinhos, mas a miúde, vendiam também (as únicas!) revistas da então "imprensa nanica", da década de oitenta: Mosca, Balão, Ovelha Negra, Roleta, Boca...
Eu quero falar de economia, não para meus poucos pares economistas, mas sim para meus muitos pares que estão nas calçadas, indo de um lado para outro , como se não tivessem as rédeas de seu destino. Do que me adianta apresentar a discussão sobre a força opressiva de um monopólio contra a distribuição teórica de um mercado livre, para quem tem 5,70 no bolso, procura um emprego e faz a seguinte conta: