segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Veja, não é de hoje...

Recentemente tivemos (ainda estamos tendo), o caso do banqueiro Daniel Dantas. Onde antes o ex-delegado da Polícia Federal Paulo Lacerda, era alçado aos píncaros (pela própria revista), por conta de outras investigações, bastou entrar em rota de colisão com o banqueiro, para passar a ser execrado pela revista. No mínimo havendo grave manipulação de informações, como no recentíssimo caso dos "grampos", quando o responsável pela ABIN, disse textualmente: "pode haver, tudo é possível", a Veja colocou como manchete: "Há grampos...".

Do nosso passado recente, temos o exemplo das matérias do dia 22 de novembro de 1989, na ante-sala da eleição do Presidente da República, com os textos: "O prodígio das urnas" e "A arrancada de Lula". Analisemos o primeiro texto, que faz referências ao ex-presidente Collor, então candidato, mantendo uma apresentação totalmente positiva do mesmo, com pouquíssimas tintas negativas, quase invisíveis.
No primeiro parágrafo diz "ele se consagrou como o campeão das pesquisas eleitorais, em seguida segue a tônica, de quando faz uma ligeira crítica, vir logo em seguida, rebatendo a mesma, no intuito de apagá-la: "...não compareceu a nenhum dos debates com os concorrentes da televisão..."(negativo), "...ignorou os salões da elite política e econômica" (positivo), ratificando o marketing de "caçador de marajás". Em seguida, temos uma chuva de adjetivos e elogios: "dinâmico, audacioso e com uma brutal dose de confiança em si mesmo", logo depois, a revista dá ênfase ao caráter popular do candidato: " conseguiu arrastar para as praças mais de 1,5 milhão de pessoas, na maior parte eleitores pobres", novamente o seu marketing de comprometimento com os menos favorecidos, como ele mesmo dizia "os descamisados". A revista fecha o primeiro parágrafo apoteoticamente: " Fernando Collor de Mello pode ser algo ainda maior que Fernando Collor de Mello".
O tom continua o mesmo no segundo parágrafo: " Collor já é o político que recebeu o maior número de votos na História do país", "praticamente não foi mal em lugar nenhum", "prodígio" e "Collor é um fenômeno".
No terceiro, novamente um ligeiro desagravo: "lugar comum...compará-lo a Jânio Quadros...no tom estridente" (negativo), mas como antes, apressa-se a corrigir: "mas de fato não tem nada de semelhante" (positivo), finalizando: " candidatou-se praticamente sem apoio algum".
O que a revista estava fazendo, então?
No quarto parágrafo, a mesma estratégia, um ligeiro toque negativo: "Há apenas uma ano...estava...terceira divisão da política...", mas da mesma forma, rebate: "foi o protagonista de comícios apoteóticos...indiscutivelmente, tornou-se um político da primeiríssima divisão". Como era de se esperar, o final do texto deveria ser grandioso, então temos: " político nordestino...estado pobre...de onde saiu...Deodoro da Fonseca...com a Proclamação da República", fica bem nítida a comparação entre o marechal Deodoro, que havia proclamado a República e Collor, que prometia a proclamação de uma "Nova República".
O segundo texto: "A arrancada de Lula", como o próprio título explicita, contextualiza negativamente o então candidato Lula. Começa sempre denominando antes do nome, o ainda candidato Luis Inácio Lula da Silva com o substantivo "operário", desta forma, continuamente o (des)qualificando, pois se Lula é o operário, quem é o administrador, senão Collor? Logo em seguida cita maldosamente sua pouca preparação acadêmica: "conseguiu um diploma de madureza do curso colegial", digo maldosamente por causa da palavra "conseguiu" e fecha o primeiro parágrafo com: "o torneiro mecânico de São Bernardo...nenhuma pessoa de sua classe jamais sonhou" e continua: "provocaria uma reviravolta", já dando indícios para onde o texto caminharia, tentando induzir que a eleição de Lula, provocaria algum tipo de "clima de terror" ou insegurança pública.
No segundo parágrafo, temos quase uma repetição do infeliz apelido que Leonel Brizola havia dado, "sapo barbudo": "um operário barbudo" e nova crítica, atém hoje comum na mídia: "que fala português errado".
No terceiro, (re)lembrando os tempos do marcatismo norte-americano, ou da ditadura nacional, com os chavões do "comunista que come criancinhas", a revista cita a revolução soviética (lembremos que no texto de Collor, citou a própria Proclamação da República), como paradigma de tomada de poder por parte dos trabalhadores, fala em luta armada e escreve: "só pode entusiasmar quem ainda acredita na URSS como modelo para alguma coisa". Volta a nomear o candidato (sem citar seu nome, estratégia usada para "esconder" uma campanha) como: "o candidato operário" e compara a votação de Lula, como uma votação rasteira, sinônimo de fraca: "a geologia eleitoral de Lula...desenho semelhante...nível do mar...".
Fechando este penúltimo parágrafo, uma pequena folga, com um pequeno elogio: "em seu berço político, a região do ABC...lhe deu um momento de glória", mas só aparente, pois logo depois vem várias marteladas: "Em compensação, enfrentou a penúria de eleitores onde o PT conquistou a prefeitura em 1988". E outra: "o Estado de São Paulo, na verdade, Lula colheu um resultado decepcionante – foi folgadamente batido por Collor".Justamente o inverso do texto de Collor, onde após ligeiríssima crítica, havia entusiasmado afago.
Continua, saindo um pouco de São Paulo e indo para outra importante praça eleitoral: Minas Gerais, dizendo: "em Minas Gerais...também ficou muito atrás de Collor.".
Observe que o texto de Collor, não faz tantas referências as diferenças de votação entre Lula e Collor, deixando estas para o texto de Lula, colocando-o sob a ótica de perdedor antecipado. Estranhamente o texto não menciona o Rio de Janeiro, por que será? Basta lembrar que no Rio de Janeiro, assim como no Rio Grande do Sul, o vencedor foi Leonel Brizola, com quase 50% dos votos.
E fechando: "a respeito do PT...constatação...melancólica". Melancolia? Sentimento inerente a um perdedor, maliciosamente adjetivado pela Veja.

Parte da mídia passou a se valer de um ambiente promíscuo, como instrumento seletivo de poder, porém, chegando a um ponto de risco, para a própria imagem da mídia, por conta de ser tão desvelado, o conluio entre a mesma e o que de mais podre há na República.

5 comentários:

Marcelo F. Carvalho disse...

A Veja é uma Cegueira Branca... Felizmente, lida por poucos e, neste momento, muito desacreditada.

Jens disse...

Excelente artigo, Renato. Arguta e reveladora a tua análise sobre o comportamento tendencioso da Veja (argh!), que, desde então, só se acentuou. É assim que se desmascara esta corja. Minha filha está fazendo um trabalho de conclusão de curso comparando a cobertura de Veja e Carta Capital na reeleição do presidente Lula. Vou recomendar a leitura do teu texto como inspiração sobre método de análise.
Um abraço.

RENATA CORDEIRO disse...

A Veja é a pior revista do Brasil, e as pessoas dizem que compram porque "tem de tudo".
São 3 horas da manhã. Mas como as coisas se acalmaram, fiz um post sobre um filme que todo mundo no mundo já viu e sempre vê de novo. Tirei aquele monte de flores e só deixei as do João. Esta postagem dá para ser bem apreciada.
Um abraço,
Renata
wwwrenatacordeiro.blogspot.com

André Renato disse...

Ainda não me conformo com o desserviço à educação prestado por essa "revista" semanas atrás, com as reportagens "denunciando" o "proselitismo ideológico" praticado por professores e mateirais didáticos de escolas. Nunca vi tamanha malícia associada a tamanha falácia e falta de conhecimento na imprensa brasileira.

Anônimo disse...

Renato, desta vez não vou me omitir - até pq, veja (em letra minuscula mesmo!) é caroço entalado na minha garganta. Tá, pode ser pretensão. Que sou eu senão uma ex-assinante que se decepcionou com a parcialidade de jornalistas que até então admirava?
Mas (pqp), este jogo de morder e soprar é bem a cara desta revista. Além de tantas vezes prestar desserviços, como bem disse André Renato, especialmente no que diz respeito à educação (minha área e o que me levou a buscá-la anos atrás.)
Enfim, excelente seu texto. E que prazer me deu encontrá-lo aqui!
Beijocas