Findo o curso, fomos procurar um canto para despedidas e beberagem, não necessariamente nesta ordem. Claro que de uma turma de vinte e cinco pessoas, de várias cidades e várias idades, indo dos 20 aos 55 (este último não sou eu), a formação heterogênea influenciava na escolha do lugar. Após breves desistências, por parte dos (mal?) casados e dos mais controlados financeiramente, fomos inicialmente a uma pizzaria, onde o farto rodízio preencheu nossos estômagos, mas não meu espírito, ainda necessitando de ser preenchido por um tanto de álcool.
Em seguida, o grupo dissolveu-se, com alguns voltando para o hotel, impressionante como há um inexorável medo do Rio de Janeiro, especialmente à noite, por parte de algumas pessoas. Outro(a)s, por conta de seus relacionamentos, não poderiam se estender na bebida e na camaradagem noite adentro, também foram embora. Quem sabe os pares destas pessoas, um dia compreendam que possuir uma pessoa, não é possuir seu tempo e sua presença ou possuir seus relacionamentos “fora relação”, mas sim, possuir sua alma, de uma forma sadia, sem medo, quem sabe vejam um dia que amor e liberdade não são incompatíveis.
Mas voltando, aos heróis que sobravam, obviamente eu fazia parte e nosso grupo caminhou até a Lapa, a velha Lapa dos boêmios e não tão velha Lapa das putas e travestis. Só que esta Lapa, está revitalizada, com vários bares, vários estilos, jovens em profusão e uma saudosa “velha guarda” ainda marcando terreno.
Procuramos um bar que atendesse a todos os gostos dos que lá estavam, pois o grupo, apesar de reduzido, ainda era um pedaço heterogêneo (continuava) do grande grupo inicial. Após algumas análises, resolvemos entrar onde nos pareceria mais aconchegante, com boa música (escutável) e onde poderíamos também conversar.Acertamos.
Meu pecado foi não ter anotado o nome do Bar, mas digo que tocava uma música luxuosa, fomos recebidos com “O Mundo é um Moinho” de Cartola, falar mais o que? Em seguida, um repertório de primeira, onde pude criar coragem e pedir um dos meus sambas favoritos: Espelho.
Peguei um guardanapo, escrevi e após dez minutos o cantor, um negro de meia idade e forte, disse:
- Atendendo a pedidos, vamos tocar uma do João Nogueira...
“...Um dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
Me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás
Ê vida à toa, vai no tempo, vai
Eu sem ter maldade
Na inocência de crianca de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai
Assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambam da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já
Ê vida voa, vai no tempo, vai
Ah, mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar”
6 comentários:
Pela ponte do pretensos colóquios, da grande poteta Dora, chego no seu cantinho e escuto essa animada descrição de uma noite de descontração.
Nossa, muito bom. É de encher a alma.
Voltarei mais vezes
Renato. Essa canção é linda! Eu gosto da letra, da melodia e do "requebro" dela...
E ficar num bar da Lapa, bebendo, jogando conversa fora e ouvindo músicas "das boas" deve ser uma das coisinhas que fazem a vida ser digna de ser vivida... fala sério!
São esses momentos, que tecem um mundo à parte, que um dia a gente vai buscar lá atrás...e percebe o quanto valeram de aconchego e calor.
Pobre de espírito é a mulher que se opõe ao santo e sagrado direito de "seu" homem "curtir" esses instantes...Não?
Beijos, moço!
Dora
Inveja, inveja, inveja...
Essa é em parceria com o Paulo César PInheiro, não?
Ah, Lapa, que eu sempre tive vontade de conhecer.
As áreas boêmias das grandes cidades já não são as mesmas. Cá em Belo Horizonte acabaram com a Lagoinha e estão acabando com Santa Tereza.
Nós, boêmios, estamos virando espécie em extinção.
Um abraço.
Pô, Renato... A Lapa, a cerveja e a música... Mundo perfeito é isso!
Renato!!! Puxa e eu que estava com medo de nem ter mais espelho onde te olhar? rs
Confesso, não conheço esta música. Nunca fui boêmia. Quer dizer, só mais ou menos. rs... Já foi o tempo em que tocavamos até acordarmos os dias comendo espaguete do Bolão, em Sta Tereza. Era uma turma e tanto, aquela!
Ai... mas vim aqui pra te ver! E pra dizer que tava morrendo de saudades, viu? Sério mesmo!
E agora, com inveja tb! rs...
Beijo queridão!
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