sábado, 28 de junho de 2008

Guimarães Rosa

Meu primo Raul Motta, mandou-me o seguinte email:
... do grande escritor brasileiro Guimarães Rosa, um texto que, mais que concordância ou discordância, induz a uma reflexão:


"(...)Mas um Rosa tem mais dificuldades para brotar numa cultura que não cultiva seu próprio idioma e o aceita frouxo e estéril."

A língua do Rosa

Daniel Piza

http://www.danielpiza.com.br/interna.asp?texto=1708

A idéia de que falar e escrever com correção gramatical não é importante cresce em toda parte no Brasil. Até lingüistas com cátedra na universidade dizem que o que vale é conseguir se expressar, comunicar sua mensagem central, não importa se cometendo erros de concordância, grafia ou conjugação. Enquanto isso, vemos cada vez mais pessoas públicas dizendo "tu vai" e "ele afirmou de que", comendo o "s" final, pronunciando "iscola" e "pudê", interrompendo as frases no meio. Ouvimos em rádio e TV os especialistas usando uma palavra diferente - ou diversas palavras diferentes - da que buscavam, além dos termos em inglês para os quais existe tradução usual. E recebemos e-mails até de pessoas muito capazes e criativas que fazem corar pelo excesso de erros e imprecisões. Mas apontar isso, agora, é considerado "elitismo"...Longe de mim defender a tal norma culta. Sou a favor da coloquialidade, da clareza - e da mudança de diversas regras rígidas ou puristas. Prefiro, por exemplo, a próclise (o uso do pronome antes do verbo) como norma geral; "assemelha-se" é lusitano. Mas é preciso seguir os padrões e convenções para evitar os ruídos - você sabe o que quer dizer "excessão", mas essa dupla de "s" aí é areia no olho - e deixar justamente que a mente se concentre no conteúdo da mensagem, seja a de quem emite seja a de quem recebe. Igualmente fundamental é, por meio desse respeito às regras, cultivar o respeito à língua, o amor ao idioma, a consciência de suas ricas possibilidades.Pois o que está por trás de pessoas que maltratam a grafia e a sintaxe é a ignorância do poder que a linguagem verbal tem de articular uma idéia, fundamentar uma opção, estabelecer pontos de partida para uma ação em conjunto. Se o leitor ou ouvinte desconhece esta ou aquela palavra, como esta ou aquela referência, pode ser positivo: ele está ampliando seu repertório - desde que o cerne do argumento continue compreensível, disposto de forma objetiva, uma raridade no Brasil. O pior para o idioma não é o abuso de estrangeirismos, mas a falta de conhecimento dos recursos que ele oferece; é o fato de nossas "iscolas" não conseguirem ensinar a interpretar um texto banal.Pensei essas coisas enquanto lia alguns livros recentes sobre Guimarães Rosa e relia alguns dos seus. Oooó do Vovô (Edusp/ PUC-MG/ Imprensa Oficial) é um belo álbum com as cartas e os cartões postais que ele mandava para suas netas adotadas Vera e Beatriz, fazendo brincadeiras verbais, citando cantigas, decorando com desenhos. No Longe dos Gerais (Cosac & Naify), de Nelson Cruz (também ilustrador do livro), é um relato fictício de um menino que acompanhou a viagem do escritor com vaqueiros por onze dias no norte de Minas. E Guimarães Rosa - Fronteiras, Margens, Passagens (Ateliê/ Senac), de Marli Fantini, é uma análise sobre as várias dimensões da linguagem do autor de Grande Sertão: Veredas, que mescla o regional e o universal, o oral e o erudito, o prosaico e o poético, para além de dicotomias e estereótipos.
Há, por sinal, uma pequena e consistente onda de interesse renovado por Rosa, que também é lido por Maria Bethânia em seu CD mais recente, Brasileirinho, ou tema de documentários como Livro para Manoelzão, de Angélica del Nery. E melhor contraponto para o populismo lingüístico não poderia haver. O que aqueles três livros tão diferentes entre si mostram, afinal, é como Rosa era apaixonado por sua língua acima de tudo e, como bom amante, queria gozá-la em sua plenitude, em toda a sua diversidade de tons e formas. Não é fácil ler seus livros, especialmente Grande Sertão, assim como não é fácil ver a densidadedo sertão. Mas depois da escalada, a planície: algumas dezenas de páginas e seus olhos e ouvidos já se acostumaram e estão deslumbrados com o mundo verbal e imaginativo de Rosa.Não espanta que Grande Sertão, apesar de suas dificuldades iniciais, já tenha vendido tantos milhões de exemplares no Brasil e no exterior desde sua publicação em 1956. Não há erros gramaticais nos livros de Rosa; ao contrário, ele é conhecedor tão profundo da língua que pode transgredir alguns de seus usos, desenhando uma sintaxe muito própria, cheia de palavras exóticas ou inventadas e pontuações incomuns. Mas um Rosa tem mais dificuldades para brotar numa cultura que não cultiva seu próprio idioma e o aceita frouxo e estéril.


"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens."




6 comentários:

Anônimo disse...

Esse é um assunto um tanto qto polêmico, né, Sr. Renato? Sei q o discurso dos lingüísta parece ser a favor do "frouxo e estéril" e serve pra justificar o desinteresse dos alunos e a falta de comprometimento dos professores. Um discurso que vem bem a calhar com o tal "jeitinho brasileiro"... E acho (rs) que vc conhece muito bem a gramática qto os conceitos da lingüística e sabe q na verdade esta ciência não menospreza e muito menos banaliza a norma culta... Mais enfim! O foco do seu texto era outro né? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Eu sempre fujo do tema principal...
acostume-se!
Beijos!!!

Renato Couto disse...

Cereja,
hhehe...que nada, a idéia era justamente essa, como no início do post (...um texto que, mais que concordância ou discordância, induz a uma reflexão...).
Obrigado pela visita, você está em minhas visitas diárias...
Beijos.

Vil Imundo disse...

Muitos brasileiros acabam escrevendo "delivery", não por que necessariamente achem chique/não achem ridículo usar anglicismos, mas por serem incapazes de relacionar entrega e domicílio. Se até a secretaria de educação de São Paulo escreveu enCino, o que esperar do patropi pequeno burguês?

Anônimo disse...

Este é um dos meus temas prediletos! Não tenho um conhecimento tão profundo que me faça ser uma purista da lingua, mas tb não suporto determinados modismos que deturpam o nosso idioma. Saber as regras básicas de seu próprio idioma é uma obrigação. Gosto de linguistica sim e acho que a linguagem coloquial tem um grande valor cultural - o que não significa assassinar o idioma, né? rs Qto a Rosa... bom, sou suspeita pra falar deste escritor. Sou apaixonada por tudo que ele escreveu desde que li Sagarana, aos 13 anos de idade. Rosa é um dos grandes escritores da humanidade!!! E meu conterrâneo! rs...
Beijocas
Ah... eu tb adoraria conhecer o Japão!!!

Renato Couto disse...

Senhor:
Concordo em gênero, número e grau...afinal não somos colônia?
Loba:
Rosa está entre os 10 mais (do mundo), acho (também) que poucos são puristas da língua e na maioria, são muito "chatos"...hehehe.

Jengiska disse...

Qual o problema em falar "iscola"? É da pronúncia do português reduzirmos as vogais átonas. Acontece sempre com as átonas pós-tônicas ("falamus reduzindu as vogais átonas desti modu") e, por vezes, com as pré-tônicas também. "Intendeu"?